NA GUERRA SE GANHA, SE PERDE OU SE EMPATA
por Carlos Gerbase
Publicado originalmente no Não 49, de maio de 1982.


Cada um tem a sua opinião sobre a guerra das Malvinas. O Heron acha que quanto mais gente morrer melhor ("então, talvez aprendam"). O Giba apóia todos os desertores. A Luciana quer que ele acabe logo pra não ter que fazer mais plantões nos teletipos, recebendo notícias mentirosas. O Wander certamente não acha nada. E eu acho que tudo poderia ser resolvido segundo o velho esquema das boas aventuras do Karl May, o mínimo de sangue e o máximo de emoção, da seguinte maneira: cada um dos países escolheria apenas um homem, o mais qualificado para a luta. O resultado do embate seria declarado o resultado da guerra, retornando os exércitos para o alegre convívio das casernas, dos lares e dos puteiros.

Só não pensem que, no caso das Malvinas, os escolhidos sejam comuns. Os ingleses certamente mandariam para o tira-teima um dos sanguinários soldados nepaleses, cuja fantástica religião impede que, após ter o punhal saído do cinto, retorne sem estar manchado de sangue. (Nada consta quanto à possibilidade de o sangue ser colhido junto à própria barriga do sanguinário nepalês.) Os argentinos, por sua vez, contra-atacariam com um dos terríveis correntinos, que usam facas de sessenta centímetros e fazem a carga berrando, com toda a força, suas aterrorizantes palavras de ordem: IÁÁÁÁÁÁÁÁÁ, ARETÊ-ARETÊ-ARETÊ e IÁÁÁÁÁÁÁÁÁ (seguidas de AAAAAI, quando eventualmente tropeçam no facão e o enfiam na própria barriga). O mais provável é que, num formidável duelo destes, tudo acabe empatado sem que os povos e os governos dos dois países alcancem a tão sonhada definição.

Neste caso, Galtieri e madame Thatcher serão obrigados a lançar mão de suas armas secretas, e dois repórteres serão enviados ao front, cada um armada de uma máquina de escrever e um teletipo. Depois de armarem suas mesas sobre os cadáveres do nepalês e do correntino, ameaçarem-se diversas vezes através de gestos obscenos e trocarem a fita da máquina, seria iniciada a derradeira batalha. Alguma coisa assim:

Argentina:
DESTRUÍMOS QUINZE HARRIERS,
AFUNDAMOS DOIS DESTRÓIERS
E PRENDEMOS 975 INGLESES.

Inglaterra:
INVADIMOS AS MALVINAS SEM
UMA ÚNICA PERDA HUMANA.
O PRÍNCIPE EDWARD MANDA
UM ABRAÇO PARA A RAINHA-MÃE.

Argentina:
IMPERIALISTAS RENDEM-SE
À FORÇA DA ARGENTINA LIVRE
E DEMOCRÁTICA AINDA HOJE.

Inglaterra:
PORT STANLEY É NOSSO.
ARGENTINOS IMPLORAM
PERDÃO E CLEMÊNCIA.

Argentina:
MEIO MILHÃO DE MORTOS NO
AFUNDAMENTO DOS NAVIOS
INGLESES. OS SOBREVIVENTES
ESTÃO SENDO CONGELADOS
POR UMA TEMPERATURA
DE 99 GRAUS ABAIXO DE ZERO.

Inglaterra:
GALTIERI RECONHECE SOBERANIA
INGLESA SOBRE AS FALKLANDS.

Argentina:
THATCHER IMPLORA MENOS RIGOR
NOS JULGAMENTOS MILITARES
E OFERECE-SE EM TROCA DOS
OFICIAIS INGLESES QUE ESTÃO
CUMPRINDO PENAS POR SEUS
CRIMES DE GUERRA. GALTIERI
PEDE QUE ELA VENHA COM SEUS
FAMOSOS SUTIÃS AMARELOS.

Inglaterra:
PAZ! A VITÓRIA É NOSSA

Argentina:
PAZ! A VITÓRIA É NOSSA

Como se vê, tudo empatado outra vez. Os jornalistas eram igualmente competentes e patrióticos. Então, como mais nada resta a fazer, os dois povos não agüentam mais de ansiedade e os dois governos estão prestes a cair, a Argentina retira do esconderijo suas três bombas atômicas compradas de segunda mão da União Soviética (comunista, sim, mas muito compreensiva) e explode Londres e a senhora Thatcher. O almirante Woodward, em represália, ordena que todos os submarinos ingleses descarreguem suas bombas atômicas em território argentino. Morre todo mundo, até os dois jornalistas. Empate outra vez.

Só resta uma esperança: que as seleções de futebol dos dois países, que já estavam na Espanha quando se deu o cataclisma, encontrem-se no gramado para definir tudo. Depois dos 90 minutos, 0x0. Prorrogação, 0x0. Primeira série de pênaltis: 5x5. Segunda série de pênaltis: 5x5. Terceira série de pênaltis: 5x5. O juiz se desespera. Pega uma moeda no bolso. A torcida está ansiosa. A moeda sobe, desce e cai de pé. É empate!, não tem jeito, assegura o juiz, enquanto se dirige ao túnel, cercado pelos repórteres. Os dois capitães se olham, se examinam, verificam suas forças.

A torcida uiva, exige uma luta sangrenta com um só sobrevivente. Chega a turma do deixa-disso. Os capitães e as equipes são levados para fora do estádio. A torcida vai junto e continua a gritar.  Os dois capitães encontram-se num beco escuro, nos subúrbios de Madri. Encaram-se. O inglês bota a mão no bolso e retira dez botães de aparência estranha. O argentino faz o mesmo. Com um giz, desenham um retângulo na mesa da praça. os botões são colocados para o início do jogo. O inglês sorri e pergunta:

- Vamos resolver de uma vez: é um-toque-só ou regra-do-passe?

O argentino, irritado, responde:

- Só jogo toque-toque, porco imperialista!
 


Gerbase também começou no Não por baixo: operando teletipo, varrendo a sala e implorando pra que a gente publicasse as matérias dele. Mas rapidamente chegou ao estrelato e à editoria.