NÃO ESCREVO
por Guel Arraes
 
"Eu digo não ao não"

Caetano Veloso

 

Quando eu tinha vinte anos jurei que nuncacomeçaria uma conversa e muito menos um texto com a frase"quando eu tinha vinte anos"... Esta invocação puxauma outra: "quando você tiver a minha idade vai descobrirque..." igualmente detestável porque não permitecontestação dointerlocutor supostamente mais jovem e portantoalijado de um saber que viria com a idade.

Mas como ia dizendo, quando eu tinha vinte anostinha absoluta fé na contestação marginal e pra mim valia maiseditar um único exemplar de uma revista contanto que ele nãocontivesse nenhuma concessão do que lançar uma tiragem demilhões de exemplares de um texto que não encerrasse toda averdade - na época o marxismo.

Hoje, mais crescidinhos e famosinhos, duvido umpouco desse nosso charme radicalmente alternativo. Se a revistaficar boa já vejo ela sendo publicada por uma editora antenada,elogiada como "saudável contestação ao mundoglobalizado" etc. E é bom que seja assim. Acredito napureza de intenções mas acredito também na força dacomunicação que ela pode operar.

Acho espantoso a expressão "serpolítico" ter virado sinônimo de não dizer toda averdade. Por que um político não pode se tornar popular expondosuas limitações e baseando seu programa em tudo que ele nãopoderá fazer? Por isso proponho desde já o lançamento darevista "Não do B", dissidência da revista"Não", para denunciar o ninho deconservadoresneo-hippies que se apoderaram desse valoroso órgãode imprensa.