O QUE O PT PARIU
Carlos Gerbase
 
O PT pariu um grupo de brasileiros que acreditavam (e muitos ainda acreditam) num partido político. Desde que o PT existe, voto no PT, ou melhor, voto nos candidatos que o PT apresenta. Lembro que o jornalista e diretor da FAMECOS (e meu amigo), Antoninho Gonzalez, sempre revelava em quem votaria nas próximas eleições, e suas escolhas eram incríveis, tipo "Para deputado estadual, vou de Lauro Hagemann; para deputado federal, vou de Nelson Marchezan." E justificava sua esquizofrenia ideológica de um modo muito simples: "Voto em homens, e não em partidos." É uma posição defensável, diria até que coerente com os tempos de "Fim da História" em que vivemos, mas minha posição sempre foi a antítese perfeita de meu amigo Antoninho. Eu voto em partidos, não voto em homens. Ou melhor: eu voto em idéias, que são muito mais importantes que homens.

Esta é a principal diferença do PT em relação aos outros partidos: o PT é feito de idéias, e não de homens. Isso já levou o PT a tomar atitudes aparentemente absurdas e a perder quadros importantes, como Vitor Buaiz ou Luiza Erundina, ambos líderes, ambos candidatos que já levaram o PT a vitórias eleitorais. Como petista, fico triste, mas sempre vou buscar uma explicação no campo ideológico, e não no campo pessoal. Talvez eu esteja redondamente enganado, ou tenha simplificado demais a questão, mas continuo acreditando que as brigas do PT estão no campo das idéias, e não no campo do carreirismo político. E mais: acredito que a grande maioria dos petistas (não estou falando dos filiados, estou falando em todos os que votam conscientemente no PT) pensam como eu.

Por isso, é cada vez mais triste assistir à disputa entre Olívio Dutra e Tarso Genro para definir a candidatura ao governo do estado. Não vi, até agora, nenhuma argumentação ideológica. Não ouvi nenhuma proposta de estratégia política para enfrentar Britto nas próximas eleições. Só vi e ouvi um joguinho rasteiro, uma briguinha de salão de beleza. Nunca as idéias foram tão pouco importantes no PT.

Talvez isso seja um reflexo da confusão nacional. O Lula está propondo incluir Quércia numa (hipotética e brancaleônica) grande aliança das esquerdas contra FHC. Mesmo admitindo que Quércia - olhado com toda a boa vontade possível (e necessária) num tempo de fechar alianças-, seja "de esquerda", não posso admitir que suas idéias sejam mais petistas que as de Luiza Erundina e Vitor Buiaz, expulsos do PT por razões ideológicas. E então não entendo mais nada. Como votar num partido, como votar em idéias, se aquele e estas dançam de um lado para o outro, ao sabor das conveniências eleitorais?

O PT estadual não pode resolver sozinho o problema da eleição presidencial, mas ele precisa resolver - e urgentemente! - o problema da eleição estadual. Enquanto o PT tinha disputas ideológias, que se refletiam em correntes políticas, que tinham nomes estranhos, que tinham estratégias diferentes, que indicavam candidatos diferentes (e que eventualmente brigavam e prejudicavam o partido), tudo bem. É da natureza do PT essa anarquia. Mas agora o PT tem apenas candidatos diferentes. Homens diferentes. Brigando por uma vaga na comissão de frente de uma escola de samba que não tem samba-enredo, não tem fantasia, não tem bateria, não tem porra nenhuma pra fazer a massa levantar na arquibancada. E tem mais: detesto samba.

Eu quero votar no PT. Nas próximas eleições, eu votarei nos candidatos que o PT indicar, mesmo que as coligações sejam bastante absurdas, porque (talvez ingenuamente) continue acreditando em algumas idéias que estão na base do PT (de TODO o PT, e não desta ou daquela corrente). Mas vamos parar com essa palhaçada. Vamos decidir o candidato de uma vez. Que seja no debate ideológico, numa rodada de Testão, no par-ou-ímpar ou no palitinho. Mas que não seja um decisão pessoal, deste ou daquele homem. Tarso e Olívio são bons candidatos e ambos têm condições de vencer as eleições (se começarem a trabalhar para isso agora), mas são apenas homens. Não voto em homens. Se essa briga idiota continuar, minha crença no PT como partido político estará cada vez mais frágil. E aí, cedo ou tarde, tudo o que o PT pariu vai pra puta que pariu.