Bate uma brisa leve na janela e as folhas do coqueiro roçam por vezes os vidros respingados de garoa e pó.
Mariane estirou-se no sofá, camiseta larga e calcinha meio-uso. Empunha um alicate com o qual costuma cortar as cutículas e as unhas, chupando os dedos de vez em quando. Não sei se comendo restos ou apenas rasgando-os com os dentes. (Uma coisa meio asquerosa!).
O velho Pink Floyd explora um irretocável "lado escuro da lua", enquanto leio uma entrevista de Ruben Rada sobre a música negra uruguaia.
Ela mexe as pernas, troca de posição, afasta o elástico da calcinha, que a pose recurvada faz tornar-se abusado e inconveniente.
Deixo o olho cair no entrepernas dela e me sinto bem em poder ficar parado assim, olhando uma pexereca com tempo. O sulco da vulva sorvendo o tecido fino e, nele, as marcas abombriladas dos pentelhos, o triângulo que se preserva.
Ela, agora, está lixando ferozmente a unha do dedão, firmando um lábio no outro. É estranho como, nela, a boca é importante para qualquer gesto de força. Fico esperando um grito de Rambo -- que não sai! -- no ataque à próxima unha.
"...Porque a terra é dos brancos mas é dos negros a fé", sentencia Rada, sabiamente. E eu me sinto um pouco negro olhando aquela buceta!
O Pink Floyd agora urra como se estivesse ouvindo os meus pensamentos e mansamente, vai baixando o tom, passa a uivar suavemente. Um orgasmo musical. Fiquei olhando aquela calcinha e lembrei que a Esther Grossi usa as peças de baixo combinando com a cor momentânea dos cabelos. (É o que dizem!).
Ela acende um cigarro e dá uma longa primeira baforada. (Acho que o único que não gozou fui eu). Me olha com curiosidade e comenta meu ar estranho.
Que obscuros os caminhos do desejo! Sua boca dizendo aquilo, o olho vívido e curioso, juro que a comeria todinha, com hálito de cigarro e tudo. Deitava-a sobre a jornalama que está sobre o sofá, apenas empurrava um pouco para o lado o cinzeiro atopetado e "adiós, pampa mio", cruzava esse deserto meio a nado, que eu sei que ia estar um aguaceiro de respeito.
Não digo nada. A hora não é para palavras. Sinto vontade de passar-lhe um bilhete, como no "O gato", do Simenon. Ainda assim é melhor evitar a prolixicidade. Ela que prescrute os meus olhos como já avancei pelo seu sexo adentro e descubra o que me aflige a alma. Afinal, temos tempo...
Me deu vontade de dar uma volta no meu barquinho a vela, soltar minha careca ao vento (nem sabem os encabelados como isso é erótico!). Respirar a brisa, deixá-la bater ao mesmo tempo nas duas orelhas. Ela saberia que isso é um prazer quase sexual. Já sabe muito sobre mim, melhor não dar mais pistas. Depois de um certo tempo, as relações passam a exigir um pouco de estratégia.
Uma reputação não se constrói sem dores. Há fatos que a vida manda ocultar, ainda que implicitamente belos. Reparti-los com alguém pode significar ingressar numa estrada sem retorno que não se quer trilhar.
Ela odeia quando não digo nada, ainda que seu comentário fosse apenas e totalmente um comentário.
Foi-se embora. Se mandou. Babaus. Grande estratégia!
The lunatics are in my hall, avalia o disco.
E eu, ... que faço agora, com essa xonga a meia-bomba?