Brinquedos
por Homera Cristalli
 
 
Na rua onde eu moro as pessoas se conhecem, sabem quem vai pra cama com o marido de quem, e quem perdeu o emprego recentemente. Minha mãe está entre os que perderam o emprego, por isso lá em casa o clima não está dos melhores. Eu saio do colégio e vou jogar bola na frente da casa do seu Jonas. Só volto à noite, e minha mãe está contando pra vizinha, pela enésima vez, do dia em que meu pai sofreu aquele acidente fatal na obra onde trabalhava.

Aqui no bairro não passam muitos carros, ninguém tem dinheiro para comprar um, então tem bastante espaço livre e as ruas são nossos campos de futebol. A frente da casa do seu Jonas é o melhor lugar porque ele nunca nos incomoda, mesmo quando a bola cai na varanda dele. Ele é legal, ficou viúvo, como a mãe, mas eu acho que deve ter um bom emprego porque a casa dele é a melhor da vizinhança. Uma vez o seu Jonas me chamou pra dentro da casa dele, para me mostrar a coleção de aviões em miniatura que ele tem. Foi a coisa mais linda que eu já vi, por isso não resisti e coloquei um na mochila, para levar pra casa.

Bom, o fato é que eu não consegui tirar da cabeça a culpa por ter roubado o aviãozinho e decidi devolver. Bati na porta da casa do seu Jonas, mas ninguém abriu. Então eu empurrei de leve e ví que a porta estava aberta, entrei. Recoloquei o avião no lugar e resolvi tomar um copo d’agua na cozinha. Foi então que eu vi o pé, saindo debaixo do fogão, com manchas roxas e azuis. Me abaixei e toquei no dedão. Estava grudento, por causa do sangue.

-Você não tem medo? - meu coração gelou quando ouvi a voz do seu Jonas. Me virei e ví ele parado na porta da cozinha

-Você não tem medo? - repetiu ele.

- Não. - respondi .

-Você não gostaria de saber como isto veio parar aqui ?-perguntou.

-Não - repeti.

-Então... se você me ajudar eu compro uma bicicleta para você - falou se Jonas.

Minha mãe está desempregada e eu queria uma bicicleta, então eu cortei a perna, que estava embaixo do fogão, em três partes; primeiro com um facão e depois com uma serra, quando o facão perdeu o fio. Coloquei os pedaços num saco de lixo, botei na mochila e enterrei no mato atrás da escola.

Como uma pessoa não tem uma perna só, e também tem braços e todo o resto, eu passei todas as tardes daquela semana na casa do seu Jonas, trabalhando com a serra.

Agora tenho uma bicicleta, e os aviões em miniatura também são meus. Acho que logo vou ganhar um vídeo game, porque eu vi uns pingos de sangue na varanda da casa do seu Jonas.