Não-Romance
por Miguel da Costa Franco
 
 
A costureira era ruiva e tinha cabelos longos e levemente desgrenhados. (Fosse rica e eu diria maltratados. Mas como era pobre, distante de cremes e loções e xampus de toda ordem, fazia o que podia). Ainda assim, eram belos cabelos e tinham um cheiro bom, de limpeza e maçã, talvez pêssego.

Era só, e de sua casa de dois cômodos sempre se esgueirava entre as cortinas da basculante que dava para a garagem para me ver chegar. Eu lhe correspondia com acenos e sorrisos tímidos, pequenos esgares de boca e, por vezes, palavras soltas.

Muitas noites sonhei com seus belos seios em minha boca, seios fartos, suficientes e brancos, já não tão firmes mas ainda decididos a saltar da blusa num gesto mais brusco.

Como da vez em que ...

Tirava roupas do varal e as empilhava, uma a uma, no ombro esquerdo. Ao erguer-se na ponta dos pés para pegar uma peça pequena numa das pontas da corda, a pilha ameaçou cair de onde se apoiava e ela, num gesto rápido, aparou-as e brindou-me com a arredondada visão de seu seio desnudo e macio, como pude sentir, porque também eu agilmente tratara de tentar segurar as roupas que caiam de seus braços.

Salvas as peças, não.pude deixar de afagá-lo, pão de queijo quentinho na palma da minha mão. Foi por um quase nada de tempo, mas ainda assim uma fração suficiente para perceber a fagulha em seus olhos, que era para onde eu olhava quando a sustentava com a minha mão ansiosa e sincera.

Um tempo curto mas autorizadamente longo demais para ter sido um toque indesejado.

Numa daquelas noites de verão em que o ar está espesso e gosmento, eu estava um pouco bêbado, meus passos a distanciar-me de sua janela não mostravam tanta convicção como de costume e eu senti o ar como a mover-se por trás de mim. Voltei-me, hesitante, por que voltar-se poderia ser definitivo, e lá estava ela, parada à porta, somente parada, não fez um gesto, não disse nada. Mas estava ali, disposta a tudo, sei que estava. Ficamos assim, por algum tempo, a uns poucos passos um do outro, até eu me afastar lentamente, primeiro de costas, depois seguindo o meu caminho, que era no meu lado da cama oficial.

Embora me arrependa, sei que havia uma distância bem maior que aqueles dez metros. Doze passos para mim, que significariam para ela? Sei que eu acabaria chegando em casa às cinco da manhã, rescendendo ainda a pêssego, pois é certo que me afundaria naqueles cabelos ruivos, um seio na boca, outro na mão.

Numa tarde solitária a procurei, depois de quase dois anos. Levei uma calça para trocar o zíper. Atendeu-me uma mulata triste, que também reforma roupas.

Minha calça ficará pronta na próxima segunda-feira.