O Tomate Otto responde ao Cavaleiro Jorge
por Otto Guerra

Caro Jorge, eu teria furtado do Governo Estadual se não fosse tu! Eh, eh, eh, essa foi boa. Furtado teria eu o Estado se não fosse tu. Entendeu? É um trocadilho com o teu nome. O teu artigo no jornal Não me deixou feliz. Isso quer dizer, fiquei feliz sim. O Jornal é que se chama Não. Fiquei feliz por constatar que ainda existe vida aí deste lado. Tu ficou indignado por causa da entrevista que dei ao Zanella no jornal CAC e daí folgou comigo, não é? Pegou pesado, hein?

Claro que não sou um ladrão e claro que tu não és um paladino da justiça. Somos é muito burros! Depois que passou a raiva de ter sido tratado como ladrão pela advogada da Secretaria Estadual da Cultura - mal informada pela turma da APTC (denúncia de entidade de classe é coisa séria) e que botou oficial de justiça atrás de mim, fiquei pensando aqui com os meus botões: se por um lado foi pro espaço a turma da Casa de Cinema/APTC e a minha participação de sócio fundador do clubinho "Sorvete na Testa", por outro lado surge essa rapaziada, fazedora de filmes super-8, ultraindependentes (sob todos os aspectos), oxigênio puro. Passo a acreditar naquela máxima "Deus fecha uma porta mas abre uma Zanella" eh, eh, eh.

A denúncia de vocês me lembrou aquele episódio da Família Dinossauro aonde o Dino, após "constatar" a morte da sogra, enterra-a no jardim da casa e quando a Fran chega e descobre o que aconteceu pergunta ao Dino " Meu Deus, mas o que o médico disse?"e o Dino responde "Que médico?" Assim que fiquei sabendo do problema do tal prêmio na APTC perguntei para a diretoria o que o advogado tinha dito, "Que advogado??!!"

Jorge, a tal "manobra" era juridicamente legal. Eu consultei não só um advogado, como o Fumproarte e a Finep. Além, é óbvio, de consultar o próprio Governo do Estado, e isso virou motivo de deboche no teu artigo do Não. Tu ofendestes não só a mim como as pessoas responsáveis pelas informações prestadas. A APTC não consultou advogado. Ela fez o papel de advogado, promotor e juíz. Mas quem se importa? A moral é um enorme círculo e a lei é um circulo minúsculo perdido lá no meio.

O único direito que eu tive nos tais cinco meses de "discussões" foi o de pedir para a Flávia abdicar do prêmio e calar a boca, certo? Cara, mesmo na hipótese de ser algo ilegal, era importante dimensionar o tamanho do furo, APROFUNDAR a discussão dentro da APTC. Vocês esperaram cinco meses em respeito à produção da Otto Desenhos Animados, não para discutir a questão e além disso eu era membro ilibado (hummm), lembra? Eu acreditava poder fazer o que quisesse com meus filmes, mudar o nome, o roteiro, co-produzi-los, até transferi-los ou não? Eu estava em dia com Fumproarte e com a Finep e já tinha entregue "O Arraial" para o co-produtor na Alemanha e tudo que ouvia dia após dia era: "Otto, tu não brinca mais no concurso desse ano. Só no concurso do ano que vem". A próxima associação pode ser em cima de uma árvore e meninas não entram.

Outra questão que precisa ser discutida é o orçamento de filmes de curta-metragem. Fazer de conta que é possível produzir um filme com R$25.000,00 é trágico. Sou a prova disso. Talvez iniciantes entusiasmados possam, nós, não mais. O orçamento detalhado do Cavaleiro Jorge, considerando todos os custos envolvidos e pagando as pessoas com dignidade, chega ao valor aproximado de R$300.000,00. Isso é 1/4 do que custa cada episódio dos Simpsons, por exemplo, mas, para nossos padrões, é o ideal.

Ao contrário do que insinuas no teu artigo, nunca fui leviano ou manipulei dinheiro público. Sutilmente, talvez, vocês façam isso ao produzir a campanha do PT, eleição após eleição, sem nenhuma concorrência. Por mais bem intencionados que sejam os políticos do PT, daonde vem o dinheiro deles? Essa foi nos dedos, hein? Eh, eh, eh... Isso sim é falar mal e ser superficial, pois imagino que vocês façam a campanha à duras penas. A denúncia que eu fiz do fato de a APTC ser uma extensão da Casa de Cinema não é falar mal, é uma coisa ruim para todos que trabalham no nosso meio aqui em Porto Alegre.

Também não falei mal dos filmes de vocês. Inverno marcou a minha vida, colaborei no cult Verdes Anos. Barbosa, Dorival, Ilha e alguns outros, são brilhantes. Não tenho a entrevista do CAC comigo, mas devo ter falado sobre o MOMENTO ATUAL, e isso eu já pensava antes da tal denúncia de vocês. Não podemos nos dar ao luxo de produzir filmes como se fazem salsichas, por mais higiênicas e bem produzidas que sejam. O cinema gaúcho foi a nossa mais viva expressão nos anos 80. Mas as coisas mudam, se renovam e se não estivermos "acordados e interessados" elas caem sobre nossas cabeças. Assistir o Ângelo ou Sexo 2 foi duro para mim. Vocês podem fazer muito melhor.

Quanto àquele teu preconceituoso papo de juventude do PFL ou PDT ou PPB, não vi diferença alguma entre o tratamento que recebi de vocês neste espisódio e o que recebi da vereadora Letícia Arruda e outros (Flávio Alcaraz Gomes, Bibo Nunes, etc...) quando fomos processados pela dita "revistinha pornográfica" DunDum (fanzine publicado em 1990). Não acredito em ser Gremista ou Colorado. É complicado não acreditar nestas coisas, ficar sem esse tipo de referência.

Lembro de algo que me chamou a atenção na entrevista que concedi ao CAC quando, sóbrio (sim, o Zanella subornou-me com latas e latas de cerveja - espero que isso não nos renda outra denúncia!) , li a transcrição. Talvez a única coisa relevante daquele monte de papo furado, e que tu preteriu em função das bobagens no teu artigo do NÃO, foi o fato de, num momento eu criticar essa coisa das gerações serem estanques no Brasil: cada nova geração nega a anterior. Mas porra, essa é uma das mais interessantes características de nós, latinos! Logo em seguida falei o oposto, dizendo que alguns caras copiavam aquela coisa de Jorge Furtado e Torero. Essa "coisa" a que me refiro é aquela história de fórmula de fazer bolo, tu teres soluções inteligentes e gostosas. Algo como um jogo bem elaborado de palavras, entendeu? Torero é da "escola" Jorge Furtado, ele te copia, ele repete a fórmula "Ilha das Flores". Mas eu me contradisse e contradição não faz parte do teu universo cartesiano, não é mesmo? Então, eu me explico: alguns se opõe ao que veio antes, outros só copiam. E, às vezes, aqueles que são copiados começam a se achar infalíveis, inatacáveis. A "cópia" lhes confere uma espécie de legitimidade, de imortalidade ainda em vida, entendeu?

Quanto a tal palavra "conteúdo", imagino que somos diferentes, apenas. Para mim essa palavra quer dizer alma. Teus filmes são inteligentes e não tem alma. Talvez por acreditares que são só pedaços de plástico. No entanto, acho isso legal. Admiro os pichadores de muros que deixam escrito "estive aqui gente". Gosto muito de falsos documentários também e, apesar do meu mau jeito, sou teu fã.

Voltando a vaca fria, acredito que a APTC/CASA é que está numa roubada. Corporativismo, mais dia menos dia, acaba em merda. Mas é melhor não ver nada além de nossos próprios umbigos, não é mesmo? Eu nunca deveria ter me metido com a turma de vocês, vou procurar a turma da zona norte e vou me vingar. Ah, se vou me vingar, vocês não perdem por esperar, eh, eh, eh. Vocês conhecerão a fúria do "Mascarado Negro"! Aguardem...

Sério cara, vocês jamais pedirão desculpas pela grosseria que fizeram comigo, mas eu compreendo como as coisas funcionam e diante do que fiz não esperava outra coisa, a não ser essa pá de merda que levei na cara.

Mas logo estaremos todos mortos e tudo isso é só egotrip, então transcrevo para ti, Jorge Furtado, um breve texto recentemente publicado na Folha que o Iberê (gaúcho com "conteúdo") dedicou a Maria Camargo, sua esposa.

"Quando eu estiver deitado na planície, indiferente às cores e às formas, tu deves te lembrar de mim. Aí, onde a planície ondula, a terra é mais fértil. Abre com a concha da tua mão uma pequenina cova e esconde nela a semente de uma árvore. Eu quero nascer nesta árvore, quero subir com seus galhos até o beijo da luz. Depois nos dias abrasados, tu virás procurar a tua sombra, que será fresca para ti. Então, no murmúrio das folhas, eu te direi o que o meu pobre coração de homem não soube dizer."

Otto Guerra, seduzido e abandonado, tem 42 anos e é ex-sócio da APTC que, juntos (Otto/APTC), por esse episódio, merecem os troféus "SORVETE NA TESTA DE OURO e SORVETE NA TESTA DE BRONZE" na ordem inversa.

PS- Talvez tu não tenhas entendido a razão da citação do Iberê. Explico: É que, na minha opinião, ele fala do limite no discurso dos apaixonados. Eu não soube articular a minha defesa no episódio da denúncia. Entendeu? Tomara que sim.

 
 
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