ELEVADOR ou TEXTO DE CARTINHA

por Peter Krause

João Carlos era um menino muito levado e para lá de serelepe. Não lhe importava que os seus pais arrancassem os cabelos de preocupação. Nada lhe importava. João Carlos costumava brincar pelo bairro até passadas as nove horas da noite. A mãe de João Carlos, a esta altura, já havia tomado vários calmantes e incontáveis xícaras de chá. João Carlos nem aí para ela. João Carlos não via mal no mundo, tudo era cor-de-rosa. Talvez um pouco de azul, por que não? João Carlos só pensava em jogar bola com os amiguinhos. João Carlos só queria brincar de pegar. João Carlos só comia fruta da árvore. João Carlos só pique-esconde.

João Carlos cresceu. João Carlos casou. João Carlos teve uma filha, Maria Cristina.

Maria Cristina era uma menina muito levada e para lá de serelepe. Maria Cristina até parecia João Carlos. Maria Cristina só queria brincar de pegar. Maria Cristina só pique-esconde. A mulher de João Carlos, a esta altura já havia tomado vários calmantes e incontáveis xícaras de chá.

A mulher de João Carlos tomou calmantes demais e adormeceu para nunca mais acordar quando João Carlos foi reconhecer o corpo de Maria Cristina no IML. O mundo cor-de-rosa e azul de João Carlos acinzentou de vez.

João Carlos foi encontrado ontem. Um João Carlos sem vida estava preso à grade de captação da bomba do DMAE, três dias após ter-se jogado da ponte do Guaíba.