Tesão Lupicínica

por Miguel Costa Franco

 

É madrugada. Gostaria de dormir, mas não posso.

Fabiane foi-se embora e eu estou inquieto. Sinto falta de sexo, de contato humano, de aquecer-me junto ao calor de seu corpo, entre abraços impossíveis.

Fabiane foi-se embora.

Bate uma saudade do rosado da "florzinha" de Rosane. De tomar vinho alemão com a Schneider (Deidessheimer Hothfuchs, ou algo assim) em sua cama da João Telles. De encarar as mil poses da doutora. De acalmar a urgência de Rosa e aproveitar a paciência de sua irmã. De transar nas areias da praia do Francês, afundado entre os maiores peitos de Indaiatuba. Ou repetir a "submarina" com a Marta, na lagoa doce da Praia do Rosa.

Talvez voltar à primeira noite com a Karen, no Motel Trenton, ou experimentar novamente o acesso elétrico de riso no Las Vegas, depois do choque no chuveiro.

Sexo doce, sexo toque, sexo rasgado, sexo bom. Não apenas carnes suadas se roçando, mas vidas que se tocam, vidas que se enroscam e compartilham um mesmo e voraz momento.Cada uma, a seu modo, redescobrindo o seu sumo, enxergando o seu cerne. Mas duas vidas, sempre duas vidas. Talvez por instantes uma só, flagradas no cruzamento entre dois caminhos únicos, como fagulhas de um mesmo estopim.

É disso que sinto falta: perceber a alma pulsando entre suas pernas, entre seus braços, vapores arfantes escapando por narinas e bocas, mãos que se desesperam por serem poucas, gritos, gemidos, ais. E a glória final de esvair-se, partir-se em duas metades justas, invadir o outro como lava de vulcão, ardente e decidida, perder o tônus, formigar, morrer um pouco.

Me sinto só, me sinto só.

Poderia reler cartas. Meu pai se redimindo, Ísis me desejando, Belinha batalhando por me transferir para perto dela. Ana sofrendo com a minha ausência. Tita querendo mais. As cartas tolas que escrevi para Eliane. Os poeminhas no expediente. Mas, Sr. Pedro Nava, de que me servem as lembranças, se elas são como um carro velho rondando a madrugada, com os faróis voltados para trás?

Lembro dos passos surdos de Fabiane no corredor do edifício, urgentes, decididos, e um rasgo de angústia me dilacera o peito. Sinto que tudo se acabou, algum dia, anos atrás.

E, ainda assim, ainda lhe tenho amor.

Essa última frase me pareceu letra do Lupicínio. Por que partiste, ingrata, se ainda assim, ‘inda lhe tenho amor? Larálaiá.

Rio de mim mesmo. Viro de lado. Inspiro profundamente e paro de repente, como se afogasse em ar. Depois solto tudo de golpe. Respiro, respiro, respiro, respiro. Fico assim por algum tempo.

Tesão inútil.

Boto o pau para o lado, meio que deito em cima dele. Te estrangulo, penso.

E, assim, eu durmo.