Mentes em Branco
por ClaraH Averbuck

Sinto vergonha de pertencer à minha geração. É impressionante o grau de alienação dos jovens de hoje. Poucos, pouquíssimos se interessam em saber o que aconteceu no país nos últimos 30 anos, nos trazendo ao caos atual. A maioria mal ouviu falar da guerrilha do Araguaia, do seqüestro de embaixadores, e sabe do AI-5 porque este, há alguns dias, completou 30 anos e estava em todos os jornais e revistas.

Minha geração não sabe quem foi Lamarca, Carlos Lacerda, ou Vladimir Herzog, nem o que aconteceu com eles. A referência que têm do Paulo Francis é de um senhor fanho que trabalhava na Globo, e do Che Guevara, as camisetas nos camelôs. Minha geração não dá valor à democracia, ao voto direto, ao direito de ir e vir, porque não tem noção do horror das prisões políticas, das torturas e do desaparecimento de presos políticos. Não sabe o que é viver sob uma aterrorizante censura que proibia peças de teatro, letras de música, livros, filmes e artigos de jornais. Não se importam com o fato de que, em 1984, milhares foram às ruas pelas eleições diretas. Não sabem, ou agem como se não soubessem, que pessoas foram torturadas e mortas em nome da democracia.

É a geração do voto inconsciente e inconseqüente. Já ouvi gente falando que votou no Enéas e rindo, como se fosse muito engraçado não levar a sério uma eleição presidencial. Ouço, por todos os lados, gente falando que só vota porque é obrigatório. Ouço, ainda, reclamações sobre o preço do leite, os meninos de rua, a crise, seguidas da declaração "odeio política", como se não houvesse relação entre política e o país, e como se a culpa de tudo não fosse, em parte, dos analfabetos políticos.

Minha geração não tem ícones como Vladimir Palmeira ou José Dirceu. Os ícones da minha geração rebolam em trajes ínfimos. Usam cinta-liga e máscara, não a cabeça. Os ídolos da minha geração não têm nenhum cérebro. Que vergonha. Minha geração não lê. Quando lê, é Paulo Coelho ou Lair Ribeiro. E por que leria, se pode assistir tv? É muito mais fácil, não precisa pensar, já vem pré-digerida, não mofa, e se não estiver agradando, é só apertar o botãozinho que lá estará outro canal, tão ruim ou ainda pior que o anterior, variando entre sensacionalismo barato, jornalismo malfeito e apelação sexual, enquanto o mundo explode.

Minha geração freqüenta shoppings, ouve pagode e se diverte enquanto o país afunda no neoliberalismo de nosso presidente reeleito. Minha geração não se manifesta, porque acha que está bom assim, ou não acha nada: os movimentos estudantis estão mortos. Minha geração nada sabe de sua história, não sabe de onde vem e para onde vai. Minha geração é uma página com rabiscos, mas ainda pode ser escrita a tempo. É só querer. Eu quero.

Clarah Averbuck – 16.12.98