Absinto, o NÃO-Clássico

 

Eduardo Nasi

 

Uma historinha, pra começar. Dia desses eu estava em uma livraria aqui de Porto Alegre. Daquelas conceituadas, freqüentada por intelectuais e aspirantes ao posto. Vi um livrinho chamado Absinto na prateleira e perguntei ao livreiro do que se tratava. Esse senhor, no caso, é dos mais respeitados pelos intelectuais e aspirantes ao posto aqui. Cacique mesmo. Um dalai lama dos pensadores da tribo pampeana. É um clássico, ele disse. E insistiu: nunca li, mas podelevá quié um clássico.

Clássico uma pinóia. Bastava ler a orelha para descobrir. O tal Absinto foi escrito por um guri que, pelos meus cálculos, está com vinte e sete anos. Um francês chamado Christophe Bataille. A orelha, bastante instrutiva, conta também que ele escrevera antes um tal de Annam e, com esse livro, recebeu uns prêmios lá nas bandas dele. Nunca vi Annam nas prateleiras, mas o tal Absinto também não é lá muito fácil de encontrar.*

Tá. Vamos nos concentrar no Absinto. Sim, o livro fala da bebida. Fala, para ser bem preciso, daquele licor esverdeado, inspirador de obras literárias mil e do meu quadro favorito do Degas. Diz a lenda que o negócio brilha no escuro. Outro mito diz que tem uns monges que destilam o dito cujo em plena colônia, aqui no interior do Rio Grande do Sul. No livro, quem faz o absinto é o destilador Jean Mardet. Quando a história começa, em 1871, a bebida é desconhecida por gregos, troianos e por toda a população descendente de Asterix. O cenário é até meio desolador, o tal Jean é soldado, está em plena guerra. Para sentir o clima, basta dizer que o livro começa bem assim: "Foi um inverno doloroso". E, em pleno inverno doloroso, lá está o cara no meio da neve, como se fosse um dos piás do South Park. Quando abandonou a frente de batalha, foi para Buenos Aires e depois para Nova York. Corta. Capítulo dois. Aí, surge o narrador e protagonista da história toda. Pela boca do cara, a gente vai acompanhando os passos de um destilador chamado José, que mora além de uma charneca. É um sujeito sorumbático. Quando ele entra em cena, parece que a gente está chapado, porque não consegue visualizar o cara. É como se uma bruma andasse junto com ele.

Acontece que essa atmosfera enigmática é muito significativa, e por dois motivos. Um: esse ambiente acaba representando o mistério que a proibição do absinto criou. A gente não entende muito bem como era um café cheio de franceses, paridos na boa sociedade parisiense, enchendo a cara com um alucinógeno afrodisíaco. Como é que eles podiam ficar conversando sobre estética depois de beber um alucinógeno afrodisíaco, pombas? E dois: porque as mudanças que acontecem nesse ambiente vão contando a História do Absinto, dos primórdios até o sumiço durante a Primeira Guerra. Só falta dar a receita. Mas dá para se ter uma idéia de como se faz o negócio. E adivinha: parece bem complicadinho. Tive a impressão que o porão do José tinha canos por todo lado, que nem laboratório de vilão dos Superamigos.

A moral da história é meio brochante: percam as esperanças de beber o negócio por aqui. É difícil de fazer, e ninguém sabe onde raios moram os tais monges da colônia. Para frustrar ainda mais, o livro deixa a gente pensando que absinto é a melhor coisa do planeta. Mas não faz mal: eu li em algum lugar que os ingleses descobriram que, na verdade, o absinto nunca foi proibido nos domínios da rainha. Eles só achavam que tinha sido proibido. E agora tem uma penca de barzinho de bebedor de absinto abrindo por lá.

Evidente que é mais barato comprar o livro que ir a Londres. Então, aproveita e passa na tua livraria do coração, diz que é da editora Contraponto e te prepara para pagar quinze cascalhos.

 

*Nota do editor: Christophe Bataille (1972 - ) Escreveu Anmam, romance, 1993; Absinto, romance, 1994; Le maître des heures, romance, 1997.

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