Responsabilidade Publicitária

 

 

Gustavo Mini Bittencourt

 

 

De tempos em tempos, o nosso vocabulário profissional ganha expressões que resumem tendências de comportamento hype no mundo empresarial. Na primeira metade dos anos 90, cansamos de ler e ouvir em reportagens, papers e transparências termos como downsizing, reengenharia e horizontalização.

Já a segunda metade parece estar sendo dominada por um outro tipo de preocupação. Ao invés da volta em torno do umbigo, o negócio agora é investir no social para garantir uns pontos na imagem institucional e gerar uma certa motivação extra nos funcionários (desde o início do 90 chamados de colaboradores) ao ver sua empresa tratando o ser humano como gente e não como consumidor. Isso é chamado de "responsabilidade social".

Assim sendo, empresas como a C&A e a Natura investem milhões de reais em programas que visam melhorar a qualidade de vida como um todo subsidiando a educação primária e o bem estar.

Também é sabido que muitas empresas utilizam suas fundações como mero instrumento para burlar o pagamento de bilhões em impostos. Mas não é essa a bola que quero levantar.

Depois de tanto fazer propaganda institucional social para vários clientes, começou a me bater algo: onde é que estão as agências de propaganda nesta história?

Ah, claro, fazendo anúncios e comerciais gratuitamente para instituições de caridade. Bonito, muito bonito, mas não é o suficiente. A responsabilidade social das agências de propaganda deveria ir muito além do comercial esperto que leva prêmios em festivais. Se uma usina atômica tem que atender a diversas especificações de segurança para colocar um reator em funcionamento, agências de publicidade teriam de tomar o mesmo cuidado quando utilizassem uma das mais poderosas máquinas do mundo: a mídia de massa.

Como a radioatividade, a mensagem propagada pelos meios de comunicação de massa não só se alastra com uma eficiência ímpar (em especial no Brasil, país único pelo arrasa-quarteirão chamado Globo) como mantém resíduos durante muitas décadas. Através de uma campanha publicitária, hoje em dia é possível incutir na população necessidades (disfarçadas de hábito de consumo) que ela sequer sabia ter.

Invariavelmente, somos responsáveis por uma boa parte da frustração de milhões de pessoas que não conseguem, nunca conseguiram e nunca conseguirão ter o que vendemos.

Mesmo com a tal segmentação, ainda moramos num país em que a propaganda chega a quase todos e o dinheiro a muito poucos. Todos vêem o carrão importado, a mesa farta, as roupas lindas e os eletrodomésticos fantásticos dos comerciais. Mas muito poucos tem condições de comprá-los.

Ficou muito marcada na minha memória a imagem que de uma família de pessoas muito, muito, muito, muito pobres que vi dentro de um shopping center. O humilde casal, com duas crianças malvestidas e sujas olhava para as vitrines e para as pessoas com um certo brilho morto nos olhos. De um lado, a família, sedenta pelos bens que nunca vai ter. De outro, bens que não satisfazem necessidades reais básicas da vida, mas que a mídia os ensinou a tomar como fundamentais para nossa felicidade cotidiana.

Obviamente eu não estou culpando nossas "mentes brilhantes" pelo vale econômico que separa as classes sociais no Brasil. Porém, na minha humilde opinião, é um bom momento para uma reflexão interna de cada um sobre nossa participação no processo todo. Pensar se somos simples engrenagens em um complicado mecanismo chamado capitalismo neoliberal ou peças fundamentais em uma sociedade passando por uma profunda crise social que afeta, mais do que instituições e cenários econômicos, seres humanos.

O que me parece, enfim, é que as peripécias das fundações e instituições mantidas pelas empresas privadas são muito pouco perto da influência que elas exercem ao atuar no mercado e na mídia. Ou seja, o veneno é lançado antes e o remédio, além de tardio, é pouco. As agências de publicidade entraram no mesmo esquema. Produzem paliativos em forma de anúncios e comerciais em vez de combaterem o problema na fonte. A Benneton seria um bom exemplo se não tivesse partido para o outro extremo: trocaram as top models por mártires nas mais diversas formas. Como qualquer extremismo, morreram na praia da vulgaridade e da contradição da sociedade moderna.

Paranóia anti-capitalista? Não temam, eu sou novo demais para ter crescido sob a égide dos movimentos estudantis de esquerda e no pôster do meu quarto está o rosto do Kurt Cobain em vez do Che Guevara. Sentei aqui no aconchego do meu apartamento em meu belo computador de comercial não em busca de soluções. Nem de uma complexa teoria sociológica ou algum tratado revolucionário. Procuro despertar uma coisa difícil de ver as pessoas fazendo: dez mintuos de reflexão, daquelas em que a gente viaja até dentro do coração e procura ver a vida com outros olhos que não os que nos acostumamos a usar no nosso corrido dia-a-dia.

Gustavo Mini Bittencourt, 24, é publicitário.

Mas só quando não está tocando com os Walverdes ou cuidando do fanzine Pôneifax.