O velho tinha lá seus sonhos. Sonhos genuínos. Não os fabricados, tipo o "sonho da montadora". E o maior deles, certamente, era ter um filho homem. Haveria de tê-lo, houvesse o que houvesse.
Em 30 de outubro de 1969, após o terceiro e definitivamente último parto de sua primeira esposa, fez o escrivão registrar com o nome de Valério aquele serzinho de pele amorenada que ela fizera nascer com tanto esforço.
O nome, Valério, o velho escolhera só. Maria entenderia, era um desejo seu. Mais que um desejo, um sonho. Muito maior que o "sonho da montadora".
Não era um nome lá muito bonito, mas tinha seu garbo. Muitos dos outros, com o tempo, acabaram adotando um diminutivo mais conveniente: Val. Mas sempre longe do velho. Perto, era Valério. Ninguém ousava contrariá-lo.
Apesar do nome inusitado, Valério levou a vida sem maiores transtornos até chegar ao colégio. Aí, o problema foi apertando, era um tal de trocar de escola a cada final de ano, todos foram ficando meio cheios com o velho e Valério cada vez mais amuada.
A questão do nome implodiu a família, mesmo, lá pelo terceiro ano primário. Havia outros dois Valérios na sala de aula.
A professora intercedeu por Val, que aquilo era um absurdo, precisavam providenciar a alteração de seu nome no cartório, quem sabe Valéria, pelo menos.
O velho disse não. Era Valério e pronto, era o seu menino. O sonho do filho-homem. Um sonho dez vezes, cem vezes, mil vezes maior do que o "sonho da montadora".
A professora não sossegou. Começou a incomodar Maria, que ela não podia compactuar com aquilo, não era direito, não era cristão chamar uma menina de VALÉRIO.
Deu no que deu: Maria e a professora arrumaram um advogado e entraram na justiça pelo direito de alterar o nome da filha sem a concordância do velho.
Valério virou Valéria. O velho virou o braço na Maria. O casamento virou separação das brabas, daquelas que sequer chega a se tornar divórcio por absoluta impossibilidade de aproximação.
Hoje, Valéria é uma morena linda – tão linda quanto histérica -, de corpo cheinho e belos seios arredondados. Mas deve ter sido dos brinquedos de menino que sacou coragem para aceitar a tarefa de ir reconhecer o velho em seu galho de morte.
Já me explico!
O velho suicidou-se, improvisando uma forca num galho de abacateiro, no pátio da casa da segunda mulher. E sei lá por quais trâmites judiciais alguém da família precisava assistir ao desengalhamento do velho.
Maria foi taxativa: por mim pode apodrecer lá mesmo!
Então lá se foi Valéria. E lá se foi o velho, com sua testemunha-mulher, o filho-homem tão sonhado. Muito maior que o "sonho da montadora".
Isto tudo contou-me Val, passada apenas uma meia hora do momento em que a conheci. E foi tudo de um surrealismo tão exasperante, que eu não podia deixar os olhos fixos em sua tez morena. Escondia-os nas mãos ou – mais confortavelmente – deixava-os fugir para o decote de sua blusa, que mostrava o belo contorno arredondado de seus seios trepidantes.
Ela perdeu-se a falar do velho e eu, com a visão tão atraente de seus seios semi-expostos, comecei a sofrer penosamente do que sempre achei ser o tal "sonho da montadora" de que a RBS tanto falava (alguma coisa a ver com a bunda* da Tiazinha).
Já me explico!
Com aquele negócio de velho para cá, velho para lá, comecei a me lembrar da piada do velho tarado, aquele que oferece dez pratas para tocar nos seios duma peituda, ela diz tá louco!, ele sobe para cinquenta, ela diz cai fora!, ele oferece cem, ela berra tarado! e ele vai subindo, e ela não, não, e não!, até que ele oferece mil pratas e ela bem, ... pode ser, então... mas só por trinta segundos!!
E o velho, então, enche as mãos com aqueles tremendos peitos e fica suspirando e murmurando:
- Ai, meu Deus... Ai, meu Deus... Ai, meu Deus ...
Até que a gostosa não se contém e pergunta:
- Mas porque tanto ai meu deus?
E o velho responde, lentamente:
- Ai, meu Deus... Aonde é que eu vou arranjar os mil reais?
Mal comparando (parece que o Britto nem é disso!), não é igualzinho ao "sonho da montadora"? Foi ele quem ficou apalpando os peitos da mocinha. Só que acabou tocando para o Olívio arranjar os mil reais.
Valéria continuava em sua histeria, empolgada a falar do velho e do velho e do velho. E eu já cheio daquilo. Olhei seu decote uma última vez. Sabia que seria a última. Respirando fundo, soltei o verbo:
- Dez pratas para afofar esses teus peitos.
Como eu previa. Virou Valério e me deixou na mão.
Adeus Valéria, minha montadora louca.
Miguel da Costa Franco
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