Da época fast-food e outros profiteroles

Por Ariela Boaventura

          Não se usa mais caixa alta. Letra maiúscula, no início de substantivos próprios foi ignorada nestes tempos de pós-modernidade. Essa coisa que abraça tudo e é nada: fugaz. Inconsistente, como queria o chato do Mattelart. Abortado o respeito com a caixa alta, o resto fica fácil imaginar: qualquer dia nem acento nas palavras se usará. E, ah, as palavras, essas putas, também serão algo semelhante ao caos. O por que, por exemplo, transmuta-se: pq. Qualquer: qq. Você: vc. Beijo: *. Um simples asterisco simbolizando um gesto de carinho, um asterisco que se faz apertando o botãozinho do teclado: fácil, prático, rápido, limpo, higiênico e seguro. Tudo assim, telegráfico. Devo estar ficando velha, chata e neurótica, deve ser. É que não me conformo em ver essa anomalia. Espécie de vírus cibernético que toma conta do pensamento comportamento linguagem verbal não-verbal ícones o caralho.

          Tendências, o que apontam os almofadas lipídicas, profiteroles da pesquisa científica. Oh, perdão, os estudiosos filólogos e outros ranços. Tendências, o que há. Náhn. Viu só? Até eu, já deformo as palavras. É preferível deformá-las e dar-lhes novos significados que vê-las incompletas e desconfiguradas, sem a honra da caixa alta. Caixa alta é coisa de velho, tempo da linotipo. Pega lá, ô Fulano, um A maiúsculo pra mim: as maiúsculas tão lá em cima da prateleira, na caixa mais alta. Foi assim, juro.

          O vírus cibernético do pós-tudo nas relações humanas: Nescau. Não o pó achocolatado: o tempo consumido com voracidade, o estar é quase um nada, tudo rápido, tempo encolhido, pessoas descartáveis, relações instantâneas, profundidade nenhuma no conhecer, no interessar, no curtir: falta tempo para a fantasia: a vida é agora, que daqui a pouco já isso não interessa e focaliza-se outra história. É. As palavras mentem, meus olhos também me enganam, pode ser. Acontece mudança em torno e eu sinto e intuição é mais fiel que tudo o mais. Hoje algo, amanhã quem sabe e depois é ao depois, ora bolas. Pensar: tempo. Por isso, pela falta de tempo, não há arte que preste. A não ser o espólio modernista, que persiste, insistindo influir no atual como se hoje fosse. Moderno é desde 1920 ou em antes. E até agora. Amanhã é tilt, é bug, é o nada. Minimalismo existencial, brochices. A vanguarda está ultrapassada, disse certa vez um entendido, o Frederico Morais. Parece paradoxal, absurdo, mas ele tem razão. Como pode haver vanguarda num mundo de idéias recicladas?

          Não há poetas, não há estetas, só tetas. Sim, sim: chupa-se o leite da arte moderna ainda, aplica-se um verniz de pós-algo e, pronto!, tá feito. Valores: nenhum, tudo mutante, sem limite, psycho. Nada há, então, chupa-se e cola-se e apresenta-se como novo. O da hora. Sem arte uma geração está perdida. Somos uma geração perdida, em tempo e valores. Sem chão, cyber, espacial, no ar. Se ao menos se estivesse a construir a base da próxima geração, mas não: consome-se o tempo como um hambúrguer. Geração fast-food. Amor fast-food, quero sexo, tenho sexo, não quero mais, quero outro modelo, e depois outro e nada me satisfaz. Sexo mata, hoje, mas dane-se: quem sabe do amanhã? E se o melhor, mais gostoso e saudável passatempo do mundo se transforma em morte ou simples catarse, danou-se: perdeu a graça, esse mundo. O umbigo - símbolo do pós-modernismo. Indivíduo-objeto. Baudrillard estava errado, então. O indivíduo é ele consigo e não ele com os outros. Comunicação esquizofrênica, meu deus, nem ao menos as palavras querem dizer qualquer coisa.

          Não temos mais comunicação, não ao menos como antes, nem as mesmas palavras, o contexto, o sentido, o significado: onde estão estes elementos? Perdeu-se, tanto que se usou, banalizou, exauriu. Precisamos de tempo. Sim, de tempo para dar uma olhada em redor, fazer juízo, construir valores, julgar mesmo que parcamente o que está aí, o Smog de Camus.

          Tipo aquela nuvem, sim, o Smog. Camus, profeta. Gris, a nuvem paira sobre o planeta, impede que veja-se a si próprio ou o restante do mundo sem fuligem, límpido, nítido. Cinismo, o que há, e é a fuligem esta que acumula-se entre as relações, na maneira de sentir, pensar, escrever, ver. Caminha-se para a frente, óbvio, sempre assim foi, que a História não volta, mas esse andar é meio capenga: fraqueza, falta certeza, o que é não é o que parece ser, que daqui a menos de minuto atualiza. E se cansa, ou se incomoda, delete.