NÃO EXISTE ALMOÇO GRÁTIS II

A POLÊMICA

 
Por Jorge Furtado 
19 de Julho, 17:46 

"No fundo da China existe um mandarim, mais rico que todos os reis de que a fábula ou a história contam. Dele nada conheces, nem o nome, nem o semblante, nem a seda de que se veste. Para que tu herdes os seus cabedais infindáveis, basta que toques essa campainha, posta a teu lado, sobre um livro. Ele soltará apenas um suspiro, nesses confins da Mongólia. Será então um cadáver; e tu verás a teus pés mais ouro do que pode sonhar a ambição de um avaro. Tu, que me lês e és um homem mortal, tocarás tu a campainha?"

O Mandarim, Eça de Queiroz
 

Meu texto sobre o tal site da fome (ver Não Existe Almoço Grátis, Não Ao Vivo) provocou alguns e-mails, a favor e contra. Como esta edição está carente de polêmicas, reproduzo-os aqui (parcialmente), junto com minha resposta.
 
 

(...) Acho a tua leitura sobre o assunto de salvar uma criança interessante, mas talvez ela chegue melhor ao seu efeito se tratasses a menina com um pouco mais de cuidado, como merece a ingenuidade - presumida - dela.  E também dá pra ler as coisas de outra maneira: entre lá, clique a porcaria, mas lembre que é propaganda em cima da pobreza, não compre nada deles e recomende os amigos a fazer o mesmo. Ou seja: use o sistema em seu próprio benefício. É hipócrita o que eles fazem? É. Mas entre os nossos discursos e uma xícara de arroz, o faminto não hesita.

Marcelo de Oliveira

 
 

Patético

(...) Hoje, passando pelo prédio da Mesbla, que está fechado, (Dr.Flores c/Alberto Bins ou Otávio Rocha), havia 6 a 8 pessoas deitadas, às 10 da manhã, enroladas em cobertores. Tentei contar quantas eram mas não consegui, estavam muito juntas. Não precisamos ir longe, nem atravessar a ponte do Guaíba. O site da fome é aqui mesmo, no centro.

Clara Pechansky

 
 
 

(...) E fico profundamente triste ao ver que gente que já tem um enorme poder de comunicação pouco nos ajuda a melhorar este mundo de merda, como você mesmo falou, e fica só criticando. Criticando tudo. (...) Só, por favor, não esqueça que um dos maiores assassinos da história deste mundo de merda, Hitler, também tinha convicção no que fazia. Ah, ia me esquecendo. Seu filme Ilha das Flores, que fala, entre outras coisas, sobre a fome, pode ter sido criado a partir da seguinte idéia: "Ei pessoal, vamos faturar uns prêmios falando da fome?  Verba não vai faltar para produzi-lo."

Virtual Ombudsman

 
 
 

Isso. Isso! Alguém tem que torar essas mensagens bagacêras. Só que, quando eu faço isso, sempre me chama de insensível.

Eduardo Nasi

 
 
 

Contra A Fome E A Mediocridade

Talvez devesse ser esse o título da campanha. É que tem gente que prefere a retórica à ação. E retórica não enche barriga nem forma bosta, como dizem no nosso querido Rio Grande. Talvez fosse necessária a algumas pessoas, antes da divulgação do site contra a fome no mundo, a informação a respeito da quantidade absurdamente grande de pessoas que acessam a WEB e que podem acessar esse site. Quantas xícaras formam uma tonelada de arroz? Um milhão? Bem a rede tem muitos milhões de usuários.  E para matar a fome de uma só pessoa, basta uma xícara de arroz.  Quem sabe o amigo, passando fome e tendo dificuldades um dia, possa experimentar a sensação desses famintos. Ou quem sabe, sem vivenciar essa tragédia, mas com pureza de sentimentos e desarmado de discursos inflamados, desça do altar, dê uma passadinha no hungersite e doe uma xícara de arroz sem culpa e sem medo (até de ser feliz, hehehehe).
Abraços com arroz.

Laura

  Ao Ombudsman Virtual e a Laura

(...) informo que não tenho nada contra a caridade. O que me irrita profundamente é a exploração da miséria e do nosso sentimento de culpa para fazer PUBLICIDADE. Inventaram agora o patrocínio da esmola e os moribundos virtuais. Quem é esse faminto que eu salvo com um clique de mouse? (...) Há milhares de sites na internet que pedem doações para todo o tipo de ação social, suponho que muitos deles bem intencionados e efetivos. Há também telefones pelos quais você pode fazer doações. E casas de caridade (e hospitais e creches e associações comunitárias) que levam os carnês de contribuição na sua casa. A propalada vantagem do tal site é a "comodidade" do doador. O que me irrita neste site é o cinismo cruel da sua lógica: "salve uma criança da fome, é de graça! Basta você dar um clique no nosso patrocinador".

Acredito que a caridade, o gesto anônimo de quem se comove com um drama visível, é nobre e louvável. Mas quem pára um segundo para pensar sabe que esta caridade internética, que apela para o salvamento de uma vida com o critério de que isto é fácil e "de graça", não só não muda em nada a miséria geral (mesmo que a tal xícara de grãos chegue a um faminto real) como serve de alívio a tensão social que, esta sim, pode mudar alguma coisa. Serve para que as pessoas de bem aliviem sua culpa sem ter que olhar o faminto de frente, sentir seu cheiro e enfrentar seu olhar de desesperança. Serve para que o patrocinador venda seu peixe e para que pessoas de boa fé, como a Carla, durmam "mais leves" com a sensação de ter colaborado para diminuir o fosso social que divide o mundo.

Você, agora que sabe do site, vai acessá-lo todos os dias? Se não, vai se sentir culpado por desperdiçar seus momentos de internet em outras atividades que não a de salvar vidas? E todos os outros milhares de sites que pedem doações, vai procurá-los? Eu não, me desculpe. Prefiro dar arroz de verdade, a um faminto de verdade, na esquina da minha rua. Sem anúncios de remédio.

Jorge Furtado

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Caro Jorge Furtado.

Na verdade, após dar o clique no mouse e enviar a você minha mensagem, vi que o que se acometera sobre mim foi um curto porém grosso instante da mesma raiva que julguei em seu texto. Indignado com sua capacidade de não clicar o mouse num patrocinador que dará uma xícara de arroz a um faminto e, ao mesmo tempo, escrever um longo texto criticando quem o faça por não ser tão inteligente quanto você é que justifico minhas palavras. Pois se você dá comida a um faminto não-virtual, ótimo. Mas não é melhor, por mais ou menos filantrópico que se seja, dar um cliquezinho no tal patrocinador do que não dar e ainda perder tempo julgando pouco inteligente quem o faz?

Virtual Ombudsman

 

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Recebi agora (terça, 20/7, 13:42) um e-mail anônimo sobre o assunto:

Há poucas semanas, a Internet foi sacudida com a notícia de um website que estaria canalizando doações de comida para países do terceiro mundo, cujas crianças a maioria com menos de 5 anos estariam morrendo de fome à razão de 3,6 por segundo. Horror total, evidentemente. O The Hunger Site (http://www.thehungersite.com) seria, dessa forma, uma iniciativa humanitária do mais alto quilate, capaz de transformar o dinheiro de seus "patrocinadores" em porções salvadoras de comida para países como Bangladesh, Chade, Iêmen, Paquistão, entre outros.

A verdade, infelizmente, pode ser outra, bem diferente. O patrocinador que se apresenta no site com mais freqüência, um laboratório que fabrica um derivado de aspirina chamado Heart-Trex, não existe na Internet. O próprio remédio não tem registro no FDA (Food and Drug Administration, em http://www.fda.gov), que é o órgão regulamentador dos medicamentos nos Estados Unidos. Além disso, as citações de reportagens e colunas publicadas em veículos como o USA Today, Internetnews.com e CNN Radio, para ficar apenas nos mais conhecidos, não foram encontradas dentro dos websites desses veículos.

Na Network Solutions, que administra o registro de domínios na Internet, consta que o dono do The Hunger Site é Otis Clapp, cujo e-mail é jbooh@yahoo.com (!!), um domínio gratuito. Tudo muito estranho, para dizer o mínimo. Pode ser o embrião de um spam em escala planetária. Fiquemos de olho.

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