A PROVA CIENTÍFICA
DA ASTROLOGIA
por Jorge Furtado
Caetano diz que a palavra odara pertence
ao dialeto ioneba e significa "estar bem", "sentir-se feliz". Para quem
não tinha nascido na época, o sentido com que a palavra odara
incorporou-se à língua a partir da música do Caetano
variava de acordo com as convicções do freguês. Quem
não deu ouvidos às recomendações do autor ("é
só um jeito de corpo, não precisa ninguém acompanhar")
e fez da palavra odara crachá e título de manifesto a definia
como uma superação da visão medíocre e excessivamente
ideologizada da esquerda da época. Quem (por mediocridade, excesso
de ideologia ou por ter mais o que fazer) estranhava as lantejoulas, as
plumas e as citações a Carmen Miranda de quem voltava do
exílio ainda em plena ditadura, definia odara como uma alienação
burguesa ou, na melhor hipótese, uma bichice. Perdi (ao vivo) o
sentido político da fase pré-exílio de Caetano e Gil
(estava jogando ping-pong). E nunca levei muito a sério a tentativa
de julgar qualidade musical a partir de critérios políticos.
Todas as ideologias produzem bons e maus hinos. De qualquer modo, odara
ficou na língua com o sentido primeiro dos africanos, uma espécie
de despreocupação panglossiana capaz de ver nos subsídios
à Ford na Bahia um bom tema para um trio elétrico.
Há muitos aspectos do universo odara
que me interessam profundamente mas quase nenhum deles dá para exercitar
por escrito. Nada contra a felicidade como estado pessoal. Já como
proposta estética, partilho da opinião do poeta (e, é
verdade, suicida) Mário de Sá-Carneiro: "Os estusiasmados
e felizes pelo entusiasmo sofrem de pouca arte". A felicidade também
não é engraçada, toda piada é um drama do lado
do avesso. Mas pro Gerbase não dizer que eu boicotei a edição
dele (e como faço questão de sua contribuição
ao "Não Raul Seixas") meto aqui a minha singela colher.
Sou nativo de gêmeos, com ascendência
em aquário e lua em câncer. Os nascidos sob esta configuração
não acreditam em astrologia, o que é o meu caso. Nem discuto
se a posição dos astros na hora do nascimento pode ter influência
no destino ou na formação da personalidade de alguém.
(Já ouvi falar das marés, da menstruação e
do calendário pilomax, por favor, não me mande e-mails a
respeito). Desconfio é da efetividade desta influência em
relação a outras, bem mais verificáveis. Acho que
a posição de Plutão em relação ao horizonte
no exato momento em que uma criatura vem ao mundo à fórceps
pelo SUS terá sempre menos importância na definição
de seu caráter que as duas mil horas por ano que ela ficará
sentada na frente da televisão ou as arrobas de bobagens que serão
despejadas sobre ela na escola, no cinema e na internet. Para não
falar das surras ou do carinho dos pais, do desprezo ou da aceitação
dos vizinhos, do acesso ou não a bons livros, filmes e discos.
Sempre achei que haveria uma maneira simples
de verificar a influência dos astros na vida alheia: a estatística.
Não fui o único a pensar nisso, claro. Um cientista francês
chamado Choisnard (1867-1930) tentou estabelecer a relação
entre o mapa astral e a atividade profissional a partir da estatística.
Provou o que queria, mas seus métodos eram muito primitivos e ninguém
entendia a sua letra. (O fato de Choisnard ter feito todas as suas anotações
em papel de pão também não ajudou muito).
Há também um tratado de astrologia
escrito pelo suíço K.E. Kraft (1939) que provou estatisticamente
a influência dos astros, mas só para ele. Outros pesquisadores
que tiveram acesso aos seus arquivos (como Pierre Duval) não conseguiram
refazer os cálculos, parece que todos baseados no fato de que 3
vezes 8 seria 25 e não 24. Felizmente um jovem cientista bem mais
sério e cuidadoso chamado M. Gauquelin resolveu investigar o assunto.
E publicou o resultado dos seus estudos (L´Astrologie Hier et Aujord´hui,
Paris, Ed. Cal e Denoël, 1972).
Gauquelin fez o mapa astral de 16 mil celebridades,
pessoas que tiveram um grande destaque em suas atividades profissionais.
E comparou-os com um grupo testemunha de 12 mil mortais comuns. Simplificando,
a lógica é a seguinte: há uma chance em doze de alguém
ser de algum signo. Em 1200 atletas deveria haver, na média, 100
atletas de cada signo. Quanto mais o número se afasta da média
(digamos que haja 200 atletas geminianos no grupo) mais se evidencia a
influência do signo no fato do cara ser atleta. O grupo testemunha
(os 12 mil normais) servem apenas para ver se a média funciona,
e funcionou. A partir de seus cálculos Gauquelin prova, por exemplo,
a influência de Marte sobre os campeões esportivos.
No grupo pesquisado (2088) deveria haver,
mantida apenas a probabilidade matemática, 358 nascidos entre o
nascer e o culminar de Marte. Havia 452. A chance deste desvio se dever
exclusivamente ao acaso é de uma em 5 milhões. Há
desvios menores, mas também surpreendentes, que provariam a influência
de Saturno sobre os sábios da ciência e de Júpiter
e Marte sobre "homens de guerra".
A recente publicação de um
valioso estudo etnográfico e sociológico (O Livro das Playmates,
ed. Taschen, 1998) lança novas luzes sobre este assunto palpitante.
Em cinco décadas a Playboy elegeu 464 playmates. (Aquelas garotas
desinibidas que ilustram a revista em página tripla.
Durante anos as playmates foram os únicos
nus frontais disponíveis no mercado editorial, o que fez com que
uma geração de adolescentes julgasse que todas as mulheres
teriam um grampo logo abaixo do umbigo).
A lei das probabilidades faria supor que
houvesse aproximadamente 38 playmates de cada signo, uma vez que elas não
são escolhidas pela sua configuração astral e sim
por atributos, digamos assim, mais palpáveis.
Pois pasmem: há 54 librianas e apenas
23 taurinas. (Não se ofendam, por favor, as taurinas. O critério
de beleza da Playboy americana é bastante específico, favorece
evidentemente as louras peitudas de nariz arrebitado. Talvez as taurinas
liderassem o ranking se o grupo pesquisado fosse as capas da Photo francesa,
onde predominam as morenas magras de nariz grande.) Está, portanto,
cientificamente provado que há duas vezes mais chances de uma mulher
acabar ilustrando a parede de uma vulcanizadora se nascer entre 23 de setembro
e 22 de outubro.
Ilustrando a tese, Samantha Torres, playmate
dezembro 95, uma típica libriana.