Uma proposta jurídica que muitas vantagens traria a este país de tantas leis e tão pouca justiça

de José Roberto Torero

Se Jesus Cristo visitasse nossos cárceres, certamente exclamaria: é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico ir para a cadeia no Brasil. Teria razão. Essa é uma instituição nacional tão forte como o cafezinho, as mulatas e o futebol-arte. Passa o tempo, passam as modas e ela permanece.

Há várias razões práticas para isso: se o crime é leve, os endinheirados pagam fianças ou subornam delegados e policiais. Se o caso é grave, conseguem habeas-corpus, sursis, prisões domiciliares, prescrições e o diabo. Só em situações extremas é que eles são submetidos a um julgamento, ou, para ser mais exato, um ritual jurídico sem maiores consequências. Cadeia jamais. Definitivamente ela é um lugar que só hospeda pobres.

Esse fato traz consequências negativas para a vida comunitária. Sabemos que os ricos são o destino da parte polpuda do comércio de drogas, que eles sonegam impostos, invadem terras devolutas, financiam os políticos mais podres da Câmara e do Senado, e até que queimam índios quando estão entediados, mas não temos como puni-los. Eles são como que cidadãos de primeira classe, ou, bancáriamente falando, clientes especiais do nosso mundo legal. Aí está o problema, pois sem sanções os crimes continuam e o círculo vicioso da impunidade se renova ad aeternum.

Os ricos devem pagar por seus erros. Literalmente.

Já que o rigor da lei para os ricos é apenas uma tese e já que as penas oscilam conforme os extratos bancários, creio que temos aí a chave para uma renovação do sistema penal brasileiro. Ao invés de julgamentos fictícios, proponho que se acrescente um parágrafo à Constituição dizendo que os ricos pagarão por seus crimes contra à sociedade. Mas não no sentido figurado, no literal. Pagamento em dinheiro.

Sei que alguns dirão que isso é dar foros de legalidade à injustiça e que a dura lex deve alcançar a todos. Dever ela deve há muito tempo, mas é justamente aí que está o débito moral: antes de bater o martelo, ela dá uma olhadela no dever e no haver do réu para ver se o condena ou não. Se o ativo é maior, liberdade, reputação e honra. Se o passivo, xadrez.

Pensem bem, patrício e Patrícia: se os ricos já compram sua liberdade subornando juízes, promotores e o diabo, porque não institucionalizar essa prática e fazer com que o dinheiro vá para os cofres públicos? A proposta pode parecer absurda, mas os que a estudarem de espírito desarmado não poderão negar que seja prática.

Quanto às taxas punitivas, creio que poderíamos fazer uma tabela básica, que poderia mudar de acordo com a hediondez do crime. A título de ilustração proponho a seguinte:

Assassinato simples..........................................50 mil

Assassinato com requintes de crueldade...........75 mil

Assassinato (em nome da honra)......................25 mil

Estelionato........................................................25 mil

Desrespeito ao pudor........................................15 mil

Corrupção.........................................................50% do lucro

Talvez essa idéia pareça cínica a alguns, mas o cinismo sempre leva uma vantagem em relação à hipocrisia: ele revela, ela oculta. Quem sabe se assim não conseguimos espantar essa sensação desagradável que já incomodava o advogado Gregório de Matos há mais de trezentos anos:

"E que justiça a resguarda? Bastarda.

É grátis distribuída? Vendida.

Que tem, que a todos ajusta? Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa,

o que el-rei nos dá de graça.

Que anda a justiça na praça

bastarda, vendida, injusta."