UMA EXPERIÊNCIA EM HOLLYWOOD

Por William Faulkner (tradução de Tomás Creus)

[N. do T..: Não, o Faulkner não ressuscitou e virou colaborador do NÃO. Eu é que achei este texto numa coletânea ("Los escritores frente al cine", editado por Harry Geduld, Madrid: Editorial Fundamentos, 1981) e decidi traduzir a história (na verdade, trecho de uma entrevista da Paris Review). Publico sem autorização, mas imagino que o pessoal da Paris Review não vai se importar (e qualquer coisa, a responsabilidade é do editor*). Faulkner, todos sabem (ou seja, quase ninguém, como diria o Millôr), é autor de romances clássicos como "O Som e a Fúria", bem como roteiros de alguns filmes quase tão clássicos, como "Ter ou não ter", de Howard Hawks, com Humprey Bogart e Lauren Bacall. Segue a história.]

(* NOTA DO EDITOR: Que nada, Tomás! A responsabilidade, como sempre, é de quem envia a matéria.)

Eu acabava de terminar um contrato com a MGM e pretendia voltar para casa. O diretor com quem eu havia trabalhado me disse:

— Se deseja trabalhar novamente conosco, faça-me saber e proporei no estúdio um novo contrato.

Agradeci e fui embora. Ao cabo de seis meses enviei um telegrama ao meu amigo expressando meu desejo de trabalhar. Pouco depois recebi uma carta do meu agente artístico em Hollywood, anexando o cheque da primeira semana. Fiquei surpreso, pois esperava receber antes uma notificação oficial e um contrato do estúdio. Ao contrário, uma semana depois, recebi outra carta do meu agente, com o segundo cheque semanal. Isso começou em novembro de 1932, sucedendo-se até maio de 1933. Então recebi um telegrama do estúdio. Dizia: "William Faulkner, Oxford, Miss. Onde está você? MGM Studio."

Enviei um telegrama: "MGM Studio, Culver City, California, William Faulkner."

A jovem operadora perguntou: — Qual é a mensagem, senhor Faulkner?

— Essa mesma — respondi.

— As regras dizem que não posso enviar o telegrama sem mensagem, você tem que dizer algo. — ela disse.

De modo que escolhemos uma das mensagens de aniversário em conserva. Enviei. Seguiu-se uma chamada telefônica do estúdio, que me dizia para pegar o primeiro avião para New Orleans e entrar em contato com o diretor Todd Browning. Eu podia ter pego um trem em Oxford e estar em New Orleans oito horas depois, mas obedeci às ordens do estúdio e fui ao Memphis; de lá saía de quando em quando um avião para New Orleans. Depois de três dias saiu o primeiro.

Cheguei ao hotel de Mr. Browning ao redor das seis e entrei em contato com ele. Estavam celebrando uma festa. Ele me disse para descansar bastante nessa noite, porque na manhã seguinte devíamos acordar cedo. Eu perguntei pela história do filme. Ele disse:

— Ah, sim. Vá ao quarto número x. Encontrará o roteirista. Ele lhe falará do argumento.

Fui ao quarto indicado. O roteirista estava sozinho. Me apresentei e perguntei pelo argumento. Ele disse:

— Quando você tiver escrito o diálogo, lhe falarei do argumento.

Voltei ao quarto de Browning e lhe expliquei a situação. Ele disse:

— Não se preocupe, você durma tranqüilo, que amanhã temos que acordar cedo.

Assim, na manhã seguinte, em uma elegante lancha alugada, todos nós, com exceção do roteirista, navegamos para Grand Isle, a umas cem milhas de distância, onde o filme ia ser rodado. Chegamos bem a tempo de comer e conseguir voltar a New Orleans antes que escurecesse.

Passaram assim três semanas. De vez em quando eu me preocupava com o argumento, mas Browning sempre dizia:

— Deixe de se preocupar. Durma tranqüilo, que amanhã temos que acordar cedo.

Uma noite, ao voltar, mal havia entrado no quarto quando tocou o telefone. Era Browning. Me disse que fosse ao seu quarto imediatamente. Assim fiz. Ele me mostrou um telegrama. Dizia: "Faulkner está despedido. MGM Studio."

— Não se preocupe — disse Browning. — Agora mesmo eu ligo para esse não-sei-quem e não só vou fazer com que coloquem você novamente na equipe, como que enviem um pedido de desculpas por escrito.

Nisso bateram à porta. Era um atendente com outro telegrama. Este dizia: "Browning está despedido. MGM Studio." E assim voltei para casa. Suponho que Browning voltou para alguma parte também, e imagino que o roteirista ainda está sentado em algum quarto, não sei onde, segurando nas mãos o cheque do pagamento semanal. Nunca terminaram o filme, mas sim terminaram um povoado em miniatura: uma longa plataforma sobre pilares na água, com casebres sobre ela. O estúdio podia ter comprado dezenas dessas casinhas a quarenta ou cinqüenta dólares cada, mas em vez disso construíram uma própria, falsa. Ou seja: uma plataforma com um simples muro em cima, de modo que quando você abria a porta e entrava, ia parar direto no oceano.

No dia em que começaram os trabalhos de construção, um pescador "cajun" (N. do T.: "cajuns" são os descendentes de habitantes das colônias francesas na América do Norte, de ascendência negra e indígena, que se estabeleceram na Lousiana no século XVIII) se aproximou na sua estreita e engenhosa canoa, confeccionada com um tronco oco. Ali esteve todo o dia, sob um sol abrasador, observando os estranhos homens brancos que construíam essa estranha plataforma falsa. No dia seguinte retornou na canoa com toda a família, sua mulher dando de mamar ao bebê, os demais filhos e a sogra, e ali ficaram, sob o sol abrasador, contemplando aquela tarefa absurda e incompreensível. Dois ou três anos depois estive em New Orleans de novo e ouvi dizer que os "cajuns" continuavam acudindo aos milhares para ver aquela curiosa plataforma de imitação que uns brancos haviam construído ali e logo abandonado.