PRESENTE DE NATAL
oferecido pelo
Papai Noel Jorge Furtado

 

NOTA DO EDITOR: Següinte, rapaziada: historinha. O prazo de entrega deste NÃO deveria ter sido o lendário 24 de dezembro do insano e findo 1999. Mas deu uma confusão no caminho. E o prazo de entrega foi para 29 de dezembro, dia em que eu estava partindo para minha viagem de ano novo, em busca de abrigo contra um eventual ataque do bug do milênio. Na volta, o plano seria editar o NÃO rapidinho e colocá-lo no ar nos primeiros dias do ano. Porém, Ricky Martin tem sido mais forte que Murphy nos últimos meses, e a regra do Living La Vida Loca me atingiu de novo. Resultado: o NÃO está saindo muito depois do Natal. Se saísse antes, eu teria incluído nesta edição outros presentes de Natal que os leitores mandaram. Mas ia ficar patético. Mas também ia ser idiota se eu não agradecesse e espalhasse os votos para o pessoal. Por isso, escolhi o texto abaixo, mandado pelo Furtado, que literalmente furtou um pedaço de um livro legal sem dar a menor bola para os direitos autorais do Manguel. Vejam que legal, e bom Carnaval, e fiquem com o Manguel furtado:

 

 

Um presente de natal para os leitores do Não, um trecho roubado de "Uma História da Leitura", de Alberto Manguel, tradução de Pedro Maia Soares. Feliz natal para todo mundo.

"Estou prestes a me mudar novamente. Em torno de mim, na poeira secreta de cantos insuspeitos, revelados agora pelo deslocamento dos móveis, elevam-se pilhas instáveis de livros, como rochas desgastadas pelo vento numa paisagem desértica. Enquanto ergo pilha após pilha de volumes familiares (reconheço alguns pela cor, outros pela forma, muitos por detalhes nas capas, cujos títulos tento ler de cabeça para baixo ou de um ângulo esquisito), pergunto-me, como já fiz tantas vezes, por que guardo tantos livros que sei que não lerei novamente. Digo a mim mesmo que, sempre que me desfaço de um livro, descubro dias depois que era exatamente aquele que estava procurando. Digo a mim mesmo que não existem livros (ou poucos, muito poucos) em que eu não tenha achado alguma coisa que me interessasse. Digo a mim mesmo que os trouxe para dentro de casa por algum motivo e que esse motivo pode surgir novamente no futuro. Invoco desculpas: meticulosidade, raridade, uma vaga erudição. Mas sei que a razão principal de me apegar a esse tesouro sempre crescente é uma espécie de ganância voluptuosa. Adoro olhar para minhas prateleiras lotadas, cheias de nomes mais ou menos familiares. Delicio-me ao saber que estou cercado por uma espécie de inventário da minha vida, com indicações do meu futuro. Gosto de descobrir, em volumes quase esquecidos, traços do leitor que já fui - rabiscos, passagens de ônibus, pedaços de papel com nomes e números misteriosos, às vezes uma data e um local na guarda do livro, levando-me de volta a um certo café, a um quarto de hotel distante, a um verão longínquo. Eu poderia, se precisasse, abandonar esses livros e começar de novo, em outro lugar, já fiz isso antes, várias vezes, por necessidade. Mas então tive de reconhecer também uma perda grave, irreparável. Sei que algo morre quando abandono meus livros e que minha memória insiste em voltar a eles com uma nostalgia pesarosa. E agora, com os anos, minha memória relembra cada vez menos e parece-me una biblioteca saqueada: muitas das salas foram fechadas, e, nas abertas para consulta, há enormes vazios nas estantes. Pego um dos livros remanescentes e percebo que várias páginas foram arrancadas por vândalos. Quanto mais decrépita minha memória, mais quero proteger esse repositório do que li, essa coleção de texturas, vozes e odores. A posse desses livros tornou-se fundamental para mim, porque agora sinto ciúme do passado."

Alberto Manguel, "Uma História da Leitura", Companhia das Letras.

 

NOTA DO EDITOR 2: Eu não disse que era um texto legal? Mas convenhamos: não precisava de explicação nenhuma pra pôr ele aqui.

 

Os veadinhos do Papai Noel ficam na Lapônia. O site da República Caribenha da Lapônia é aqui.