Cala a boca e me beija.

 

Julieta Marocco Esteves

 

 

- Me desculpe...é que estou um pouco envergonhado...na verdade eu queria...

- Diz, diz.

- Estou cofuso.

- Se diz confuso. O que tá te confundindo?

- Não sei. Não sei dizer.

- Diz, diz.

- Você tem problemas com o seu corpo, verdade?

- Não gosto do meu corpo, se é isso que você quer saber.

- Entenda, tenho problemas para me expressar.

- Entendo perfeitamente. Só não entendo onde você quer chegar.

- Não entendo.

- Quero dizer que não sei qual a finalidade dessa conversa. Entende ¨finalidade¨?

- Sim, sim. É que eu tenho algo para dizer. Não sei se me explico.

- Tem uma coisa no teu olho.

- Você pode notar?

- Não, não, quero dizer que ele está vermelho.

- Como?

- Tá com uma cor estranha. Tá vermelho.

- Ah. Sabe, eu gosto de você. Muito. Mas você é uma pessoa um pouco estranha, entende? Como é difícil para mim...

- Pode dizer, cara, já tô acostumada.

- Quê?

- Siga, siga.

- Sabe, quando agente faz o amor, nao tem naturalismo, entende?

- Naturalidade.

- Como?

- Se diz naturalidade, caramba.

- Como?

- Fala, fala.

- Ah, é que eu sinto como se você não estivesse a gosto.

- À vontade.

- Quê?

- Se diz à vontade.

- Ah, é como se você não estivesse de vontade.

- O que é que você quer dizer, que acha que me falta tesão ou que eu me sinto incômoda com o meu traseiro?

- Como?

- Olha, eu continuo não entendendo onde você quer chegar. Eu sou ruim de cama, é isso?

- Ehh, não sei se entendo...

- Você não gosta de transar, ¨fazer o amor¨ comigo, babaca, é isso?

- Não, meu deus, não é isso. Gosto muito de você, Brigitte. Acho você maravilhosa. Eu só acho que você não se sente a gosto.

- É à vontade, Hans.

- Isso, à vontade. Você teve problemas quando criança?

- Como é que é?

- Sabe, 90% das pessoas que tem problemas para fazer o amor tiveram problemas quando criança. Você sabia?

- Não, não sabia. De que almanaque você tirou isso? Se quer saber mesmo, não, o meu pai não abusou sexualmente de mim nem muito menos a minha mãe gostava de me vestir de gaúcho quando eu era criança. Qual é, heim? Vai dar uma de psicólogo? Essa tua cara de quem não entendeu patavinas me deixa doente. Esquece tudo, tá? Es-que-ce. Não, não tive problemas.

- Ah, está bem. Mas é que você é estranha. Porque usa essas roupas estranhas?

- O que tem de errado com as minhas roupas?

- Nada, nada. Só são um pouco estranhas. Por que você gosta de usar elas tão...pequenas? Não sei, ai deus, não consigo me expressar...

- Já entendi, você quer me chamar de falsa puritana, é isso? Quer dizer que eu uso essas roupas de puta mas na realidade sou mais reprimida do que a sua vó e ainda por cima sou frígida, é isso? Entende ¨frígida¨?

- Na verdade, não entendo nada.

- Melhor assim.

- Olha, eu não quero ser, como se diz, indelicado, é que eu acho que você tem problemas. Como eu gosto muito de você, queria ajudar.

- Legal. Só que eu não tô precisando de um psicólogo. Aliás, o último que eu consultei ficou caidinho por mim, se você quer saber. E tem mais, acho que esses caras são um bando de loucos inconformados com a sua impotência para resolver os próprios problemas e pra compensar saem por ai querendo resolver a vida dos outros. Não ententeu uma vírgula sequer do que eu disse, verdade? Legal. Como você pensa em me ajudar?

- Eu acho que poderíamos conversar. Por ejemplo...

- Exemplo.

- Por ecsemplo...

- Não, porra, se diz ezemplo, tá vendo, ó, se escreve exemplo, mas se diz ezemplo. Não me pergunte porquê.

- Por exemplo, aquelas músicas que você ouve, não são boas.

- Quem disse?

- Falam de coisas ruins. Acredite em mim, ficar chamando satanás não é bom. É muito ruim, muito ruim mesmo. Negativo de verdade.

- O caralho. Eu gosto de ficar evocando satã e vou continuar fazendo. Puta merda, eu já tinha me ligado que você era moralista à beça, mas agora a coisa tá ficando muito séria. Não entendeu nada, né? Olha, não penso em mudar meus hábitos por sua causa, neném. E outra, quem te deu o direito de me criticar assim? Entende ¨criticar¨?

- Desculpe, entendo, mas não entendi a outra coisa.

- O quê?

- O que você tinha dito antes?

- Caralho?

- Isso eu também não entendo.

- Não importa.

- Olha, eu quero que você seja bem, nada de mais.

- Legal, agora quem não entende sou eu.

- Você devia pensar mais no futuro, o que vai fazer quando maior?

- Papai? É você? Qual é a sua? Só porque me comeu 2 ou 3 vezes se sente no direito de me dar lição de moral ? O seguinte: deixamos assim, tá bom? N-ã-o n-o-s v-e-m-o-s m-a-i-s, d-á p-a-r-a e-n-t-e-n-d-er?

- Mas eu só quero conversar, Brigitte...

- Sabe o que é, eu não gosto de conversar, cara, você já tá falando demais. Antes era legal, agente trocava 4 ou 5 frases por dia. Agora que você aprendeu a falar já era.

- Não sei se eu entendi...

- Entendeu sim, entendeu direitinho. Aprendeu a falar português, dançou. Comigo é assim. Lamento, querido, você fala demais.

- Mas, mas....

- Se você quiser agente pode fazer o inverso: falamos na sua língua.

Falar em português já não dá mais, sinto muito.

- Mas, mas...você não entende a minha língua.

- Nem você a minha, mané.

- Ahmm...

- E ai, o que me diz?

- Tudo bem, falamos na minha língua então.

- Jura?

- Como?

- Promete?

- Prometo.

- Assim está melhor.

- Brigitte?

- Heim?

- Posso falar uma última coisa antes que seja tarde?

- Diz, diz.

- Eu te amo.

- Ah, vai a merda.