Barbosa, ou A Baboseira de Nosso Desamor à Pátria Mãe
por Simone Mollerke

Estou eu aqui vendo "Barbosa", um curta gaúcho feito anos atrás em homenagem ao goleiro morto esta semana e que por muitos e muitos anos foi considerado o grande culpado pela perda da taça na Copa de 50, ignorando-se totalmente que ele jogava num time e que por isso mesmo, esta culpa deveria ter sido dividida entre os outros integrantes do grupo. Ouço um comentário de um sociólogo que afirma que a perda da taça trouxe ao imaginário brasileiro a idéia de que o Brasil jamais daria certo. Ora, não posso concordar com isso em nenhum momento, mesmo desconhecendo maiores detalhes de sua pesquisa. O Brasil, no imaginário popular, jamais daria certo desde o momento em que foi "descoberto".

Chama-me a atenção que perdemos justamente para o Uruguai, um de nossos hermanos hispânicos tão cheios de orgulho de sua nação, assim como qualquer outro povo de colonização hispânica. Chama-me atenção o absurdo de que apenas uma partida de futebol pudesse definir o destino de uma pátria inteira, soberana, rica... Chama-me a atenção que apenas uma partida de futebol pudesse destruir ou edificar totalmente uma nação do tamanho do Brasil. Não posso crer neste absurdo.

Nestas épocas de festas pelos nossos 500 anos de existência, fica muito chato perceber que não podemos festejar por algo que não sentimos orgulho. Não acreditamos em nossa pátria mãe definitivamente, não temos o porquê de comemorar nossa existência e deveríamos ficar no anonimato, pois do contrário, além de sermos um caso de extremo cinismo, seríamos também hipócritas por festejar algo que está fadado ao insucesso. Não, não posso crer nisso, é muito chato.

Fomos descobertos e desde então estamos na mesma, pois jamais desenvolvemos um orgulho nacional. Jamais tivemos orgulho de sermos brasileiros. E jamais teremos se continuarmos pensando que uma simples partida de futebol pode ser a culpada pelo nosso futuro incerto. Ora, isso é ridículo. A verdade é que desde que surgimos no mapa, trataram de nos passar a mensagem que não prestávamos enquanto país, que só servíamos para sustentar a Coroa Portuguesa. Roubaram as terras dos índios, roubaram nosso ouro, roubaram nosso pau brasil, roubaram, roubaram e roubaram e continuam roubando até hoje. Antes em prol de Portugal, hoje em prol de interesses próprios. E não fazemos nada para evitar isso, provando que aprendemos muito bem a lição que nos ensinaram quando nos colonizaram. Estamos aqui só prá produzir para os outros. Não nos assumimos como nação.

Vejo toda esta situação calcada única e exclusivamente no tipo de colonização que tivemos. Não fomos preparados para sermos um país, fomos simplesmente existindo aos poucos, sem planejamentos. Somos como aquele filho mimado que é atirado ao mundo sem preparo algum para a vida adulta. Nossas cidades apenas surgiram em função de ciclos de riqueza, pau-brasil, ouro, cana e café, sem nenhum plano ordenador de construção, excetuando-se na época de Marquês do Pombal. Nossa colonização deu-se primeiramente no litoral em função de rotas marítimas, pois o que importava mesmo era o mar e os caminhos propiciados por ele. As aldeias indígenas que aqui existiam foram sumariamente destruídas, assim como seus costumes. Nossa economia era basicamente voltada à exportação e, detalhe, não ficávamos com parte alguma nestas transações. Não fomos educados para sermos uma nação e não lutamos por esta educação até hoje, ou melhor, nem mesmo nos educamos.

Talvez não queiramos mesmo ser uma nação, pois é mais fácil não sê-la. Não assumir a responsabilidade é sempre mais fácil. deixa rolar. Não votar ou votar em branco é mais fácil. Não debater é mais fácil. Ficar em frente à TV, na inércia, é mais fácil do que ir às ruas protestar, lutar pela nação, pela nossa cidadania. Ser o país do futebol é tão mais fácil que preferimos decidir em campo nosso futuro, como se nossas vidas dependessem apenas de um gol. Ora, se realmente não queremos nos assumir como nação, se continuamos a culpar um goleiro pelo nosso insucesso, se não lutamos por nossos direitos, se não dermos importância à Amazônia, se não valorizarmos nosso pantanal, nossas universidades, nossas riquezas, nossas cidades, nossos índios, nossa música, nossa língua e nosso tudo o mais e continuarmos a desacreditar em tudo de bom que temos aqui, teremos de assumir que somos hipócritas por comemorar algo em que não acreditamos e tampouco damos valor. E se é tão desimportante assim para nós sermos nação, não temos nada a festejar. A festa toda torna-se sem sentido.

Estamos em vias de comemorar 500 anos de vivência. São cinco séculos, idade suficiente para uma tomada de decisão. Já é hora de assumir o lado no qual queremos jogar, para qual time queremos marcar o gol, se nação ou colônia. Que os festejos venham embebidos de reflexão intensa ou então de nada servirão. Assumamo-nos de vez como nação ou assumamo-nos de vez como os mais hipócritas do globo, mas algo teremos de assumir. Não é possível que este grande Sr. de 500 anos de existência esteja eternamente no devaneio adolescente vivendo sem culpas, sem responsabilidades, sem assumir-se. Não é possível que os nossos 500 anos sejam transformados apenas em mais uma atração de TV. Chegou a hora, estamos frente a frente com o goleiro. A bola está em nossos pés, nos pés de cada brasileiro, pronta a ser chutada. O relógio marca nosso tempo de jogo, impávido, contando até mesmo os dias. Basta apenas chutar a bola. Entretanto, mais importante do que o gol é assumir nossos erros e nossos acertos, é traçar toda a jogada até chegar no gol, assumindo estratégias, projetos e tarefas nem sempre fáceis, como num grande time. Como no futebol. E isso por vezes é dolorido.

Teremos de assumir, inclusive, nosso sucesso. Será que estamos preparados para tal? Não sei, só sei que chegou a hora de assumirmos que se somos o país do futebol, temos pelo menos que decidir claramente em qual time estamos jogando.

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