Hoje o dia nasceu diferente
por Mauro Dahmer

Cena 1. Em tempos de bandas largas e declarações de amor pela Internet, eu andava revirando meus arquivos à procura de um texto meio maluco e cortado para não mandar. À distância poucas brigas valem a pena, mas não era isso; buscava diversão. Cheguei em São Paulo às 21h30 de uma terça-feira e fui direto para a casa, liguei o computador e fui checar os e-mails, coisa de viciado mesmo. "Não quer textos." - Humm! Bacana!!

Quando saí de Porto Alegre, em 1995, confesso que caí de boca na doce balada da polifonia paulistana, e gostei. Tive mais sorte do que juízo, e isso foi bom para minha saúde mental porque eu andava de saco cheio das reclamações sobre as "faltas" e os escambáus da província. Mas como o sujeito até pode sair do Rio Grande mas o Rio Grande nunca sai do sujeito, mantive uma discreta leitura do Não, e mais recentemente do COL. De longe, adoro ler as picuinhas e os folclores da muy leal e valorosa cidade. De perto já não tenho saco para levar tão à sério os dramas e as bebedeiras ideológicas nas intermináveis noites do Bom Fim e Cidade Baixa. Daí que gostei da idéia: "Não quer textos".

Cena 2. Memórias do infinito.

Os dias custavam a passar e as horas quase sempre terminavam com o tedioso e simples girar dos ponteiros. Não acontecia nada, e o Câmera 2, Barrionuevos e toda aquela lenga-lenga gaudéria conservadora são tranco firme para quem tem vinte e poucos anos, e busca a cura em alguns embalos de sábado à noite. A tábua de salvação estava em shows no Garagem, Ocidente e afins.

Cena 3. É preciso levar a vidinha à sério.

O show estava marcado para a 01h00 num boteco chamado Kansas. Já eram 03h00 da madruga de uma segunda-feira chuvosa, quando um Elvis - produtor da casa - inistiu em esperar mais um pouco, até que o público chegasse. Como assim??? Não topei o argumento e subimos no palco decididos a acabar com aquela porra toda. O salão estava vazio e escuro; a voz e os instrumentos ecoavam frios nas paredes e, das sete pessoas presentes, todas no fundo da sala, apenas uma gordinha dançava enquanto tocávamos. Convenhamos que a vida de pop-star não é fácil no Rio Grande. Não havia cachê, e o táxi de volta era por nossa conta. Quando não se tem sorte nem juízo, é preciso ter coragem.

Cena 5. Rock e Socialismo no forevis.

Pois é…o mundo pode ser lindo. Cinco anos depois daquele show, adoro desembarcar em Porto Alegre. Ar e ruas limpas, os bons amigos de sempre, botequinhos honestos e bandas cada vez mais divertidas e afiadas em cima do palco. Apesar de não acreditar no socialismo desde 1984, quando, ainda adolescente, comecei a achar que aquele papo de centralismo democrático e palavras de ordem se traduziriam numa burocratização das idéias, hoje simpatizo com os resultados do projeto socialista em Porto Alegre. Os portoalegrenses, de tanto acreditar em rock e socialismo, conseguiram transformar a aldeia.

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