Muitas coisas
por Pedro Mandagará Ribeiro

- Me ajuda...

Eu tava me sentindo sufocado. Ela ali pedindo ajuda e as tais palavras desapareceram. Queria abraçá-la e chorar com ela. Aquela carinha de bebê, lindinha. Estourando... Fiquei olhando como um energúmeno. Sentou na grama. Sentei junto dela, dizendo: - Calma, calma. Aí que eu não entendo. Quando achei ela no outro dia tava pulando de alegria. Pulando também não, mas tava bastante alegre. Vinha com seus olhos embevecidos e me abraçava.

- Ai, Quirão, meu miguinho...

(Meu nome.) Me passou pela cabeça dizer: - Calma, calma - mas sempre pensei. Abracei ela mais forte. A levantei no ar. Ela berrou.

- Sai, seu cavalo!

Disse irritada e rindo. Entrou em casa e voltou de biquíni. Se deitou numa toalha, as costas pra cima. Pediu pra eu passar protetor nas costas dela que ela não alcançava direito. Juntei o cabelo dela e coloquei a parte. Botei o creme na mão e ia passar, mas ouvi pra esperar. Ela desnozou a parte de cima e afastou as cordinhas pros lados. Disse pronto. Comecei. Eu passava aquilo o mais vagarosamente possível e ela falava:

- Como tu é delicado... Tu é o único cara humano que eu conheço. Normalmente me largariam numa noite que nem ontem. Mas já era. Ponto. Já percebeu como uma ligação pode mudar as coisas?

E ela meio que se virava. Eu via um pouco do seio dela e pensava que cueca samba- canção com calça larga era uma das más idéias. Mas o rosto dela tava pro chão.

- Ai, essa areia dá coceira. Como tu é devagar.

Depois de uma longa pausa:

- Que mar lindo. Que afudê deve ser pegar um barco, velejar por aí, ficar vinte anos fora... Brigando e retornar, singrar as ondas...

Já me sentia o paciente marinheiro, singrando e tal.

- Que que tu acha disso? - perguntava me olhando.

- Muuuuuitas coisas.

De noite teve o luau na construção. Uns parceria me ofereceram benzina. Fui sem pensar. Cheirei um pouco e deu aquele treco estranho de tremedeira nos ouvidos. O lugar que a gente tava talvez seria o saguão do prédio, quando tivesse pronto. Cheirava mais e o mundo parecia um curta do Pato Donald. Caminhei e numa sala de estar encontrei a "Olá, enfermeira!" discutindo com um desenho meio brutesco mas que parecia o Zé Colméia. Retornei aonde eu tava antes.

Sentei perto da fogueira. Ouvi umas conversas estranhas.

Resolvi voltar na sala pra ver se tinha morrido alguém. Só achei minha amiga com uma garrafa de alguma coisa. Ela tava bebendo horrores e tropeçava e caía, dava uns coices e fazia fiasco. Veio falar comigo e dizia: - Cês aí, faz eles parar de girarem... Dali a pouco ela caiu vomitando. Eu já tava melhor. Grande parte da galera tinha ido pras baias. Fui fazer a bêbeda vomitar num quarto. Enquanto as saladas e a massa de três minutos voltavam pra terra, me senti estranhamente bem. Ela sentou e dormiu. Parecia um bebezinho. Cobri meu baby com meu casaco e sentei ao lado. Olhava pra ela: boa pra caralho. Seu rosto tava estranho sem a maquiagem habitual. Ainda mais com as olheiras e aquela baba escorrendo. E eu ainda meio cheirado e todo sono. Me encostei na parede. Mas voltei pra onde eu tava. Olhei ela. Aproximei minha face e a beijei. Recostei minha cabeça no ombro dela e dormi horrores.

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