Uma Tragédia Brutal!
por Pedro Granato

Mais um acidente de carro. Alguns pedaços de ferro ultrapassaram os limites do corpo. Ele sangrava, sozinho. Voltava do trabalho, à caminho de casa. A única coisa que conseguiu dizer quando chegou o socorro era Avise minha mulher. O carro que havia batido nele devia ter fugido. Ele devia ter desviado e talvez batido no poste. Sentia moleza e a visão enturvava. Acordava com dores horrendas na perna. E na barriga. Algumas costelas se partiram onde juntavam-se bolsões de sangue.
Casado.
Jovem.
Moreno e com futuro pela frente.
Faziam lhe perguntas enquanto imobilizavam seu pescoço. Estava com sangramentos na perna esquerda. Às vezes a dor era pequena, ele se sentia recuperado mas no olho dos que estavam em volta ele sentia medo. Medo de morrer, de não ter tempo de ver sua mulher. Ele queria ter uma família com a sua mulher. Mas na cara das pessoas ele via sua vida escapando-lhe das veias.

O que conseguia pensar parecia seguir uma única linha, tinha se esquecido de tudo que não fosse a vontade de ver sua mulher. Não queria que quando ela chegasse ele não passasse de um corpo inerte, não queria ver a lágrima se formar em seu olho. Que se ele morresse o incinerassem, fizessem-na esquecer que ele existiu, que sua vida não causasse nada depois de perdida. Não queria imaginar que ele continuaria ali, um corpo, depois que o mundo não chegasse mais nele. Tiraram no do carro, enfaixaram-lhe a perna. Tentavam falar com ele mas seu rosto era apático. As palavras chegavam mas eram difíceis de sair ele queria dizer que estava bem, ele queria ver aquelas caras menos tensas ao olhar para ele. O mundo parecia distante e inatingível.

Havia muita gente ali. Chegava a ser engraçado aquele monte de gente o olhando daquela forma. Conseguiu sorrir um pouco o que já animou as pessoas por perto. Quando viu sua mulher ajoelhando ela sorria e chorava engolindo as lágrimas. Ele soube então que morreria. O sorriso dela era tão franco que sabia que a situação era difícil. Sentiu-se pela última vez uma criança sendo cuidada, entendida, por essa mulher que lhe beijava a testa. Não podia deixá-la. Sentiu a vida caindo, sentiu que nunca mais seria nada, e que nunca mais veria ninguém, aquilo doeu mais fundo que todos os cortes. Morto e sem importância. Tudo o que fez acabaria, nada diria que um dia ele existiu e tudo que ele mais quis nesse momento foi ter um filho. Um filho. Um filho. Suas palavras tornavam-se mais altas sua mulher prestava atenção e o mundo pareceu mais perto e pode dizer Tudo o que eu quero é ter um filho. E ouvir sua próprias palavras. Sua mulher o abraçou, chorando, comovida. Não, eu quero ter um filho, e precisa ser agora.

Algumas pessoas notaram que o acidentado estava falando voltaram rápido para escutar suas palavras. Rapidamente uma euforia envolveu as pessoas na rua e todos contiveram as falas para ouvir o homem estirado. Uma mulher já rezava próxima. As pessoas estavam aflitas pela reação. Tudo parou para ver o homem e a mulher que o perderá em seus instantes mais belos.

A mulher falava mais baixo que o homem, uma voz macia, bonita, mas pouco audível. Tranqüilizava-o, chamou os médicos e pediu auxílio. Eles seguraram a maca, a ambulância já estava chegando. Ele levantou-se até a altura do ouvido da mulher, Mande eles me largarem. Por favor eu quero que você transe comigo. Eu vou morrer. Eu preciso deixar um filho com você, pelo amor de deus!

A ambulância estacionou, ela aflita não sabia o que fazer, pediam-na que se afastasse. Ela ficou. Saiam, eu preciso falar com o meu marido! Sua voz saiu tão nervosa que os paramédicos obedeceram. Eu faço o que você quiser, dizia ela afagando-lhe suavemente o peito. Olha só, a dona enlouqueceu! Que que ela tá fazendo. Abria o zíper do marido, ele respirava com um ar sério. A religiosa parou a reza quando viu a mulher com a mão nas coisas do homem ferido no chão. O que é isso? Ressoava alto entre as pessoas da multidão, e a velha religiosa não se conteve de espanto e olhava abismada o que se passava no meio do asfalto.

Ele tentava concentrar-se, lembrar de coisas excitantes, totalmente absorvido no vaivém de seu corpo. Era tão difícil buscar prazer, sentia seu corpo repuxando, o estômago revirando. Um enjôo absurdo tomava seu corpo, concentrava-se em afundar no escuro de sua visão.

Algumas pessoas começaram então a rir, no início timidamente, daquele coito em frente aos seus olhos. Não podia ser verdade. Se contar ninguém acredita. Nesse ponto a mulher já estava em cima do acidentado em movimentos fortes e incontroláveis. A tensão na cara do marido fazia-a esforçar-se cada vez mais e soltar gemidos que costumavam excitá-lo. Sua missão era dar-lhe o último orgasmo da vida, era provar seu amor da forma mais intensa para que ela pudesse engravidar. Gemia e pedia a deus para que ela conseguisse, torcia para guardar do marido um filho antes que ele parta.

O marido parou. Super ofegante e com a respiração áspera disse que com aquelas pessoas ele não conseguiria. A mulher pensou se a o cigarro não teria ajudado o pulmão a ficar mais debilitado. Se obrigou a esquecer rápido. Gritou para que todos parassem de olhar. Todos olharam para ela. Uma mulher deu as costas. Vai, menino vira! sussurou. Você quer que eu faça o que? Eu não vou perder isso não tia! As pessoas iam dando as costas, sempre olhando para trás. Esquece eles. Fechou seus olhos e enquanto lhe beijava retomou seus movimentos pélvicos.

O equilíbrio em seu corpo era frágil, estava esfriando e sentindo as dores mais secas e fortes. Quando viu sua razão esvaecendo no nebuloso sentido das dores, teve o desejo de dar tudo que poderia para sua mulher, de mostrar toda vida que ainda tinha de liberar, toda uma energia que ele tanto guardava. Moveu-se com força quase se levantando e tornou audível seu prazer e quis tornar audível tudo que iria perder. E no meio da rua e de um monte de pessoas constrangidas excitou-se com o corpo quente da sua mulher, com o sentido de que ela pulsava, e beijou-a com tesão, os rostos na rua coravam, e gritos de incentivo e excitação tomaram o espaço de euforia e o casal liberou seu corpo e se entregou sem qualquer remorso, seu corpo queimava, as feridas rangiam e sentia um enorme prazer de abraçar a sua mulher e quis viver anos assim, viu o céu mais claro, o mundo aberto pela última vez e gozou sem controle sobre seu corpo que tremia e rebatia, chocando se com o chão ao som de palmas de uma multidão empolgada. Sua respiração travou, o ar restou fora do corpo enquanto os olhos esbugalhados refletiam as pontadas interiores. Todos se aproximaram convulsivamente, puseram aparelhos pela sua face, injetaram-lhe golfadas de ar e pancadas no peito. Sua mulher ainda guardava explícito o gemido emotivo que o marido lhe dera, mantinha no corpo o prazer dos toques do marido e deitou no chão, contendo as explosões internas. O homem não dava mais respostas e seu corpo endurecia e estabilizava. Mulheres chegaram a volta da mulher, passando a mão em seu cabelo, em tons de consolo, reclamando a deus que uma coisa assim fosse acontecer e comentários abismados eram feitos ao redor, as pessoas estavam surpresas, os médicos nervosos, ela guardou as mãos para o seu ventre e se encolhia, e guardava em si tudo o que o marido havia sido, cristalizava aquela alegria, encolheu os joelhos para perto dos peitos, amaciou seu corpo e se recolheu, como um bebê, no meio da rua.

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