Três Palpites

Cassio Pires

Num domingo, desses dos meus poucos dias de férias, me dei de presente a experiência de ficar deitado na cama assistindo um pouco de televisão. Assisti um pouco do Fantástico, aquele mesmo que  em outros carnavais era “o show da vida”. Peguei uma matéria sobre a vinda da Britney Sprears ao Rock in Rio. Nunca tinha visto a cara da menina, nem nunca associado alguma música do rádio a ela. Bem, é mais uma bonitinha deslumbrada com a fama repentina (e, tomara que ela esteja ciente, passageira). Não tive paciência para terminar de ver a matéria, que constrastava a carreira da moçoila e de James Taylor, que também estará no Festival carioca... aqueles truques de jornalista para dar um ar de inteligente à  matéria, vocês sabem...

Desci para a cozinha, botei umas salchichas para ferver e soltei o pause do meu paraibinha, que devia estar acionado desde a hora do almoço: “I put a speel on you”, Creedence.  Meu Deus, outra coisa. Sou um daqueles que tem inveja dos pais, porque puderam ouvir a música popular dos anos 60 e 70 na época em que foi produzida. Fico pensando na moçada destes meus dias tão sem graça, essa moçada que topa a música que a TV e a rádio tocam. Esses caras não podem ter tido acesso a uma boa guitarra dos anos 60, dos anos 70. Senão achariam inadmissível o que ouvem. Não sou especialista em música, sou um diletante abelhudo de um tanto de coisas, entre elas diversos ritmos musicais, nada mais que isso. No entanto, não preciso ouvir um especialista para me inconformar com o decréscimo na qualidade da música pop conforme as décadas do século XX  foram se sucedendo. Uma guitarra do Creedence, um teclado do Doors, as melodias dos Beatles... sentido, densidade sonora, criatividade. Essas coisas agora são passado, para azar de nossos tímpanos aconchegados em poperôs e outras porcarias de batidas diferentes.

Fico pensando no que se passa na cabeça dos chefões da indústria cultural de nosso tempo, afinal, são eles os grandes responsáveis por essa musicalidade pífia que nos aterroriza dia a dia, que nos faz ter preguiça de ligar o rádio. Não só os caras da indústria fonográfica, mas os produtores de TV, as mega-empresas do cinema e cia. limitada. Só posso arriscar três palpites para entender o que se passa nessas cabecinhas.

Primeiro. Talvez esses caras  tenham se envolvido tanto com o tóxico que exala do lixo cultural que nos cerca desde a mais tenra infância, desde a nossa primeira cuequinha do Superman aos nossos primeiros blockbusters numa tarde inesquecível no cinema do shopping, que chegaram a absurda conclusão de que a imagem do cantor deve sobrepujar-se a um resultado musical inconseqüente. Então, viva a bossalidade musical e tome pagode, tome sertanejo, tome baladinhas insonsas e o cacete... o princípio orientador agora é este: a música deve ser composta para ser trilha sonora de algo, do rosto do cantor em um clip, de uma propaganda ou similar. A música, como os atores de nossa TV, precisam “fotografar” bem. Senão não rola. E a música só pode “fotografar” bem se tiver altas doses de limite criativo, senão ela se torna maior que a imagem, se torna complicada. Se a música não se submeter a imagem, ou seja, se não for tema de fundo, não presta pra indústria. Quem não se submeter a isso, esta fora e que morra com suas merdinhas subversivas tocando em churrascaria, em boteco, no SESC ou no fim do mundo, mas não na minha gravadora, nem na minha rádio. Por outro lado, aquele que, por falta de talento, de dinheiro ou ideologia, quiser entrar no esquemão, logo será aceito pelo povo como um grande artista, mesmo que todas as evidências indiquem o contrário.

Segundo palpite: os chefões da indústria cultural sabem de tudo e estão tirando uma com a nossa cara. Juntam cinco bonitinhos fáceis de manipular, fazem os meninos dublar musiquinhas mequetrefes e depois se cagam de rir com a histeria das fãs. Um divertimento sádico, uma tortura auditiva, planejada, aplicada em doses televisivas, radiofônicas ou, pior ainda, fonográficas.

Terceiro palpite. Os chefões sabem tudo de dinheiro e nada de música e, absolutamente crentes que estão produzindo cultura, ficam acertando as contas com seus respectivos e respeitáveis intestinos grossos sobre nossas cabeças, olhos e ouvidos.

Pois é, as vezes acho que raciocínios redutores como estes palpites fazem sentido, principalmente se forem levados como três coisas que podem estar convivendo juntas. Aí já não é tão simplista assim... aí, pra não ficar um papo barato, só falta discutir o “estranho” fenômeno de existência de um ou outro ícone musical interessante no meio do esquemão cultural. Mas esse é um outro papo e o que eu queria dizer era mais ou menos o que disse.

Aqueles que se ofenderam com meus palpites, devem estar dizendo que sou um daqueles precoces nostálgicos que acha que The Doors é uma grande coisa só porque é antigo.  Mas fatos são fatos. A coisa deve ser verificável até do ponto de vista laboratorial. Coloque um chipanzé inocente  e liberto do contato com o lixo cultural dentro de uma gaiola ouvindo Beatles por duas horas. Ele sairá mais feliz do que entrou, ou no mínimo com o mesmo humor. Agora, coloque o mesmo chipanzé na mesma gaiola, sob as mesmas condições alimentares e climáticas ouvindo  duas horas de “Five” e ele, disposto a sair dali o mais rápido possível, confessará seus piores crimes... (escolhi um outro fenômeno da indústria cultural pra não dizerem que estou pegando no pé da simpática mocinha que abriu este texto).

Já aos que compactuam com o que disse, só há uma coisa a dizer: calma gente, vai piorar.