UM ASSASSINATO PARA NÃO FALAR DO FSM
 

Katherine Funke

 

Ah é? Então preciso falar do Fórum Social Mundial. Até aqui no Não!?!

Nada contra o assunto, que fique claro. Nem mal-humorada eu estou. Saber do que acontece é quase um dever para uma estudante de jornalismo, e confesso que isto anda me irritando muito. Como é que alguém como eu poderia ignorar um evento tão importante, onde os comandantes da FARC, encapuzados, desfilaram junto com as drag queens, e estas aproveitavam a macheza dos policiais à paizana para tirar fotografias para lá de constragedoras para eles, e eles fugiam amendrontados chamando mamãe, mas mamãe protestava contente junto com os punks?

Não. Não, né tio?

Não vou falar sobre o FSM... afinal, nem estive lá.

Sei lá. Eu poderia passar o texto todo inventando significados para a sigla.

Fórum Sado-Masoquista. Foda Super-Mundial. Fato Sensacional e Místico.  Federação dos Santos Magos. Enfim, basta imaginação e um pouco de malandragem. Sobre o conteúdo, o mais importante está por aí, nos outros textos, nas boas revistas de esquerda, na boca (e quem sabe no corpo) de quem foi.

Por isso, embora o Fórum Social Mundial tenha sido um acontecimento importante, tudo o que se repete em excesso acaba com o prazer. Ao menos é o que eu acho. Não poderíamos falar de outra coisa?
Por exemplo, da barata que eu matei.

MATEI UMA BARATA

Matei uma barata. Com um livro. Matei uma barata com um livro da Clarice Lispector. Dentro dele, falava-se de uma barata - e uma menina. Que barata?  Matei. Não comi, nem me transformei em uma - matei.

Sou uma assassina de baratas. Dormi tranquila. Era noite quando encontrei-me com. Foi tão. Então, eu. Mas agora, arrependida, escrevo que. Quem me dera não. Matei e. Chega de frases in. Vamos para coisas out.

Quem é Itamar Assumção? Você já ouviu Arrigo Barnabé? O Lenine passou na TV dia desses, ficou conhecido. O Tom Zé, [quase que] também. Depois de fazer sucesso ao gravar Cassiano (ícone da soul music brasileira), a Ivete Sangalo caiu no funk. Bom pra ela, deve ter se divertido. Quem somos nós para julgarmos uns aos outros? Gosto, por pior que seja, não se discute.(*)

Tem gente que acha que pode ser melhor que tudo. Não falo de quem diz o que pensa, sem pensar no que diz, e sim naqueles que nem sequer dizem nada, com desprezo. Ou aqueles que falam com a maior autoridade, sem nunca sequer terem interesse sobre o que estão falando. Eles se fazem de entendidos, mas são um poço de ignorância. Os jornais e revistas estão cheios disso. Nem tudo o que é dito lá é verdade, mas todo mundo finge que é, que entendeu e engoliu, e deixa pra lá.

Nem tudo é mentira, também.

Matei mesmo uma barata. E daí? Qual o significado disso pra você? Não sei, talvez alguém tenha tido essa experiência, de quando a raiva é maior que a razão, sabe? Pois é.

INTOLERÂNCIA

(*) Gosto se discute, sim. Tem uma banda, Mopho, que gravou músicas com títulos opostos: ´nada vai mudar´ e ´tudo vai mudar´. E as duas faixas são muito legais. Então eu também posso me contradizer... todos podem.] Só que um dos piores problemas da discussão entre pessoas que defendem gostos diferentes é a intolerância.

Se um roqueiro detesta pagode, ele não precisa ofender os pagodeiros. Não precisa chamá-los disso e daquilo. Já pensou se os funkêros, alvos de tantas críticas por gente que nem pára para pensar no que diz, passassem a pregar nos programas de televisão que as pessoas largassem as “drogas” - que para eles sei lá, seria o rock, ou quem sabe o heavy metal?

Ó. Também não vamos partir para um vale tudo. Nem tudo o que se diz musical e cultural é interessante. Eu não vou sair dizendo que adoro funk, porque mal conheço. Só sei que não odeio. Eu detesto Carnaval. Mas não nego que o samba é um ritmo pra lá de rico em harmonia.

Enfim, um pouquinho de tolerância não faz mal a ninguém. É justamente a sua total ausência que gera tantas mortes (intolerância religiosa e política).  Oras, só faltava eu parar de falar com alguns amigos meus só porque eles não conhecem e não gostam de Mundo Livre S/A ou detestam Chico Science.

Então, em vez de gastarmos tempo criticando os gostos alheios, muitos deles na maré dos fenômenos massivos midiáticos (por exemplo o Carnaval e o funk), vamos fazer algo mais útil. Ou, melhor ainda, tentar entender porque esses fenômenos vêm com tanta força. Aí se poderia citar inúmeras teorias, teses, idéias, para fugir da discussão tosca que é uma troca de “não gosto”, “é ridículo” ou “que nojo”. Quem usa esses argumentos não está contribuindo em nada.

A discussão dos gostos, se for bem feita, pode servir como fonte de várias informações interessantes sobre aquilo que inicialmente se detestava ou se idolatrava. Discutir não é bater, ofender, brigar. É trocar informações, rebater argumentos, tentar convencer com respeito o outro de que sua opinião está um pouco equivocada - e, se não der em nada, beleza.

Afinal, somos todos livres para gostar do que quisermos, e quem diz o contrário é que merecia uns cascudos - igualzinho à barata que eu matei.