Caxias X Guarani de Cruz Alta, o quadro do horror
 

Daniel Peccini


Era um Domingo qualquer com sol, frio e futebol. O meu time, o Caxias, lá no meio da tabela de classificação, lutando para ficar entre os oito melhores num campeonato gaúcho de 22 equipes. O Guarani de Cruz Alta era um dos lanternas, com uma campanha do tipo: empata em casa e perde fora. E olhelá.

Era um jogo para vencer, não podíamos perder pontos para o Guarani. Tá certo, Cruz Alta é uma cidade simpática, nada contra o representante de tal cidade, mas perder pontos não, poupar uma goleada era o máximo que eu permitiria.

O Caxias tem tradição em não jogar futebol. Através dos tempos, foi se notabilizando a arte da ligação zaga-ataque. Desde os tempos de Luís Felipe que os jogadores de meio-campo não conseguem jogar futebol. É sempre o velho estilo inglês: zagueiro dá um chutão para o ataque e seja o que deus quiser.

Mas neste jogo a coisa degringolou. O Guarani fez a maior retranca que eu já vi. Não havia nenhum atacante. Foi o esquema 6-4. Uma linha de seis jogadores defendendo perto da grande área e outra linha de 4 defendendo próximo ao meio-campo. Uma barreira intransponível (para um time ruim como o Caxias).

Nesta época, os momentos de maior emoção para o nosso torcedor eram os de escanteios. Claro, quando a zaga adversária não conseguia espanar a bola para frente ou para o lado, metia para trás mesmo e então a torcida ia ao delírio. Mas parava por aí. Hoje, mesmo com um bom time, a torcida do Caxias comemora escanteio de maneira exacerbada. São resquícios psicológicos daquele tempo. Um dia isso passa.

No primeiro tempo, as jogadas foram iguais o tempo todo. Zagueiro (Ariomar) dava um bico na bola, mandava ela pro ataque, o Guarani afastava ou então ia direto para o goleiro. Só. A mesma jogada o primeiro tempo inteirinho. A torcida foi ficando impaciente, mas um escanteio aqui e outro alí acalmava os ânimos.

No intervalo, sorteio de um boi vivo e meu irmão foi escolido para chutar a bola do meio campo. Algo não estava certo aquele dia.

Começa o segundo tempo e o Caxias percebendo que o Guarani não vinha para cima, resolveu ir todo para o ataque. Num contra ataque, por incrível que pareça, o Guarani chegou na cara do goleiro do Caxias e chutou uma bola na trave. Foi a única vez que o Guarani ameaçou. Depois do lance, o treinador do Caxias resolve invadir o campo tirando satisfações do juiz, que não dera impedimento. O estádio inteiro viu que o jogador do Guarani não estava impedido, pois partiu de trás do meio-campo. Mesmo assim, foram 10 minutos de muita confusão. A Brigada Militar jogando bombas de efeito moral, baixando a porrada em jogador, dirigente, etc.. (lembrei daquele jingle: "Olha aí o gauchão"). Então, além de uma péssima qualidade do futebol, ainda por cima confusão.

O jogo continua e tudo se repete, o Caxias lançando bola pro ataque e o Guarani se defendendo. Até que acontece um lance que marcou a minha existência. Lembro bem, eu estava bebendo cerveja e com amendoim no colo, quando Kid salta para frente num peixinho memorável e afasta a bola com os calcanhares. Eu pensei que estivesse sonhando. Dali em diante eu vi que não haveria mais a mínima chance do Caxias fazer um gol. Peguei meu saco de amendoim e fui embora caminhando para casa, pois o zero a zero era inevitável.

No meio do caminho, escutando a Rádio Caxias, o repórter pergunta ao treinador se ele não tinha visto que o jogador do Guarani estava impedido. Ele responde:

– Olha, ver eu vi, mas fui lá fazer uma pressãozinha para ver se ele ajudava a gente.

É o quadro do horror.

Enfim, se vaca não voa, logo, avião não dá leite.

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