UMA PROVOCAÇÃO E DUAS RESPOSTAS
por Giba Assis Brasil, Márcia Dienstmann e Jaime Lerner

Esses dias, dando uma rápida olhada no resumo dos jornais na Internet, li uma declaração do Ariel Sharon que me deixou chocado - sim, mais até do que os fatos recentes no Oriente Médio. Fetichista que sou com as palavras, copiei o texto tal como estava, em inglês mesmo, e o remeti como mensagem para alguns amigos, acrescentando apenas um título de 2 palavras e um comentário de 7. Assim:
 

De: Giba Assis Brasil <giba@portoweb.com.br>
Para: Undisclosed Recipients
Data: Terça-feira, 5 de Março de 2002 13:56
Assunto: Sharon/Shalom?

"If the Palestinians are not being beaten, there will be no negotiations. The aim is to increase the number of losses on the other side. Only after they've been battered, will we be able to conduct talks."

-ARIEL SHARON, prime minister of Israel.
(The New York Times, 05/03/2002)

E esse cara não é considerado terrorista...

 
Giba Assis Brasil
giba@portoweb.com.br


Obtive várias respostas. Duas, por serem mais extensas, mais elaboradas e principalmente por tocarem em assuntos paralelos que me interessam tanto quanto o original, achei que caberiam direitinho no Não. Pedi licença aos meus interlocutores e eles toparam. A Márcia disse que "tudo bem, sem problemas, é uma honra". O Jaime fez questão de dizer que "Pode publicar sim, no problem. Só tem que se entender o contexto (minha resposta a tua mensagem), não quero passar como defensor da pessoa de Ariel Sharon, um cara que eu fiz questão de pegar um avião e ir votar contra." Pois então.


A GUERRA TAMBÉM É NOSSA
 
Pois é, amigo Giba... o que disse Ariel Sharon é estúpido e inconcebível, mas não é inesperado tampouco novo. Infelizmente o mundo onde vivemos (e, até prova em o contrário, o único em que há vida) virou um inferno. E o mais triste é que a paz virou a palavra preferida dos publicitários e suas propagandas de findiano, uma palavra para ser estampada em revistas e outdoors (aqueles que ficam na beira da freeway/Castelo Branco, logo, favela Marcílio Dias, estranho...) e arrotada por atores globais vestidos de branco com a luz estourando vários pontos nas mensagens de reveioun. Mas o gesto da "paz" virou algo completamente abstrato, um objetivo ao longe que, a mim, parece inalcançável. Serve para vender champanhe, panetone, calça branca ou para promover campanhas políticas, nada mais.
 
Acho que tudo o que fizeram (mídia, passeatas, ações) até agora é louvável, mas pífio. E se tu me perguntar a solução, cara... se eu soubesse, certamente não estaria aqui nesse computador. Olha aí... até já me desviei um pouco do "centro" da questão: homicídios em massa, terrorismo, guerra declarada, crimes religiosos e/ou políticos.
 
Mas, Giba, infelizmente falo por experiência própria: a pior guerra é aquela que ignoramos e só nos damos por conta REALMENTE que existe quando a dor nos atinge de verdade. Eu não gosto de falar nisso, mas como tu deste a deixa, eu vou falar.
 
Um amigo meu, o Márcio Chiavaro da Fonseca, foi assassinado em outubro de 2001. Tu deve ter lido, saiu em todos jornais de Porto Alegre. Ele era estudante de Medicina e foi deixar duas amigas em casa, no Sarandi, e um marginal de 15 anos resolveu assaltar eles junto com outro, um adulto. O Marcinho não reagiu, não fez nada. O guri, por maldade, deu um tiro no peito dele. Não satisfeito, voltou e disse "tu vai morrer com um tiro na cabeça, magrão" e atirou na cabeça do meu amigo, que morreu no hospital horas depois. E como fica? Posso te assegurar que dói MUITO. Não há um dia em que eu não pense nisso. A dor é estúpida, enterrar um amigo de 23 anos assassinado é inexplicável. Ficar ouvindo "Tears in Heaven" no velório é pior ainda, acaba com a resistência de qualquer um. O Márcio foi ao show do Eric Clapton dia 10 de outubro e, quando o cara tocou "Tears in Heaven", ele disse que, quando morresse (imaginando ser algo muito distante), queria que tocassem a música no velório. Mataram ele no dia 15 de outubro. Nada mais a dizer.
 
Por isso eu sei o quanto importante é a paz. Quem sofre com a dimensão da dor de uma perda ocasionada pela violência sabe o que a paz significa. Por isso eu acho quase inócuas (para não dizer hipócritas) as mensagens de paz em anúncios de calças jeans. É como brincar com uma doença social que se alastra em progressão geométrica. Eu estou em choque ainda, sem saber se eu volto quando eu saio de casa.
 
Giba, estamos em guerra. o perigo vai de Ariel Sharon, passando por Bin Laden e George Bush, chegando até o menino que passa fome a metros da gente, que nada mais é que uma vítima. Eu não vejo muita saída, a não ser sobreviver e pedir que, no mínimo, respeitem a palavra "PAZ" e não a usem como slogan de campanhas para fins puramente financeiros.
Acho tudo meio triste.

Márcia Dienstmann


RE: SHARON/SHALOM?
 
Caro Giba,
 
Sharon não é um terrorista. Sua organização, O likud, é um partido politico, com sede em local conhecido, e por mais que a gente discorde de sua ideologia ela está longe de praticar o terrorismo.
Sharon não lidera grupos terroristas. Ele é chefe de um Estado, eleito democratimante por ampla maioria em fevereiro do ano passado. Ele não dá suas declarações oculto por um capuz, turbante ou quaqluer outra mascara. Ele não recruta jovens com promessas que irão viver num paraíso cercado de 32 virgens depois de se explodirem dentro de um shopping center ou na fila para uma discoteca.
Podemos dizer que ele é um Brucutu, um cara sanguinário, inclusive, mas não é um terrorista.

Você se chocou com o que ele disse, eu me choco muito mais com as ações, com as imagens desta guerra do que com a retórica. Nesta caso Sharon acredita no que diz. Seu partido acha que os Arabes só vão respeitar Israel se tratados numa linha dura, só aceitarão negociar a paz se levarem chumbo.

Muitos israelenses que discordam desta tese ficaram calados quando o antecessor de Sharon, Barak, viu seu esforço de paz, inclusive a declaração que até Jerusalem seria negociável, retumbar numa nova invenção "o direito de volta", e depois eclodir nesta nova intifada, mais sangrenta, violenta e inexplicável. Barak jogou suas fichas num acordo de paz. Antecipou as eleições imaginando que isto iria pressionar os palestinos a fecharem um acordo e a eleição seria uma espécie de plebiscito deste acordo. Teve em troca uma explosão de violência nos territórios e em Israel. Uma das imagens que não me saem da cabeça daquela época, antes de Sharon sonhar que seria eleito, é o linchamento de três soldados israelenses que foram presos.

Rabin, no discurso que fez, minutos antes de ser assassinado, disse que paz a gente faz com o inimigo. E que é um processo doloroso, deixar de lado a vontade de vingança, esquecer tudo o que foi causado por esse mesmo inimigo e partir para a convivência. Disse que é preciso muito mais coragem para assinar a paz do que para declarar uma guerra. Parece que esta coragem faltou na hora ao Yasser Arafat. Foi basicamente esta falta de coragem que deixou os israelenses que militam pela paz perplexos, muitos nem foram às urnas e Sharon ganhou de longe.

Golda Meir disse, muitos anos atrás, que a paz só chegaria no dia em que os arábes aprendessem a amar os seus filhos mais do que eles odeiam a nós (os israelenses). Na época tive nojo desta frase, pois aparentava uma superioridade ética e moral que só os israelenses teriam. Hoje, vendo a incitação ao ódio que as crianças palestinas recebem nas escolas penso de outra forma. E me apavoro. Sei que muitos palestinos discordam de todo este derramamento de sangue, mas eles parecem não ter voz. Hoje quem conduz as "negociações" são os terroristas de um lado e um militar linha dura do outro. São duas coisas, ao meu ver, detestáveis, mas, mesmo assim, não são comparáveis.

Dizer que Israel elegeu como chefe de Estado umterrorrista é dizer que israel é um Estado terrorista. E esta é uma retórica perigosa. Hoje os que comandam a cena na cisjordania e faixa de gaza não lutam pela libertação dos palestinos, por um estado independente (isto já teria acontecido se o acordo de paz fosse assinado). Eles lutam pelo aniquilamento do Estado de Israel. E por isso o alvo preferido deles é a discoteca, é a festa de doze anos de uma menina, é uma pizzaria em Jerusalém.

Crianças, mulheres e civis palestinos também foram mortos. Mas eles nunca foram o alvo de uma ação militar planejada. Essa é uma diferença importante. Outra é que Sharon, por mais que ameace, tem as mãos limitadas pela esquerda de Israel, pela opinião pública de lá e a internacional. Por ele, eu imagino, os territórios seriam novamente ocupados. Do lado palestino, porém, não se ouve nenhum protesto contra o Hamas, Tanzim e os outros grupos. Cada enterro é mais uma manifestação de ódio, cada vitíma serve para manipular o ressentimento. Enquanto os palestinos não conseguirem se livrar destes terrorristas, as coisas só vão piorar. E eu não vejo saída. No dia em que eles tiverem uma liderança realmente pronta para uma paz verdadeira, Sharon, ou qualquer outro que estiver representando Israel vai assinar o acordo.

Shalom e Salam,

Jaime Lerner

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