CARTA ABERTA
a Nelson Pacheco Sirotsky, em razão de seu “A RBS, as eleições e as pesquisas”,
de 03 de novembro (em verdade, 02)
por Miguel da Costa Franco, 06/11/2002 - 01:22
 
 

Caro Nelson:

No primeiro e ensolarado sábado de novembro, li o teu humilde pedido de desculpas, que perpassa o editorial do jornal de domingo, 3 de novembro, ainda que tais coisas pareçam duplamente estranhas: ler o jornal de domingo, 3, ainda no sábado, 2, e assistir um puxão de orelhas público a profissionais da imprensa gaúcha tão caninamente devotados a ti.

Primeiro é preciso dizer que a intimidade a que me permiti ao te chamar de “Caro Nelson” é apenas casual. Lembra aquela piada do japonês que queria batizar o filho com um nome genuinamente brasileiro e pede sugestão a um amigo, que lhe responde solícito, sugiro Pedro, o que leva o oriental a batizar o rebento recém-chegado com o maravilhoso nome de Sugiro. Nesse caso, quero dizer, “caro” tem o mesmo significado de “sugiro”, ou seja, apenas me soa bem como forma de tratamento.

Em verdade, embora tenha sido colega de aula do teu irmão na turma F da noite do pré-vestibular Mauá, onde ele não era de fato muito assíduo, sempre fomos estranhos um ao outro. Depois a vida só nos afastou, como sucede aos que provêm de mundos tão diferentes como os nossos. Mas bem sabes que participas da minha vida cotidiana, através dos teus veículos, até bem mais do que eu desejaria. Quanto a mim, já que deste esta abertura no teu artigo, vou me permitir a cumplicidade que sugeres.

De imediato, vou retornar à questão do jornal de domingo, lido aos sábados, porque penso que o teu jornal de domingo, forjado com notícias velhas e gastas, é falso como publicação diária já na concepção.  Assim, me pareceria mais sincero o teu pedido de desculpas se ele fosse feito no jornal de sábado mesmo. Ou noutro dia qualquer da semana. O fato – tua intenção humilde de desculpar-se – e sua pronta publicação no dia imediatamente seguinte, quando a mancada cometida ainda era o assunto que estava fervendo... Pode parecer preciosismo, mas acho que isso seria uma primeira demonstração de virada no rumo da honestidade da informação, que é o que todos querem de uma empresa como a tua.

Quanto ao puxão de orelhas aos integrantes da tua equipe, primeiro acho que deverias separar uns de outros. Para não cometer injustiças. Ainda que discorde dela às vezes, respeito o caráter, a capacidade e a honestidade da Rosane. Já o Barrionuevo e o Lasier não me parecem merecer reprimendas. Eles estavam verdadeiramente eufóricos com os resultados da pesquisa de boca de urna que anunciavam. Afinal, era o corolário de uma campanha longa, cansativa e ininterrupta, a que se entregaram de corpo e alma, certamente com sacrifícios pessoais e profissionais, em razão – é certo – da dedicação que a ti demonstram ou aos salários que de ti recebem. (A menos, que venham recebendo também de outros senhores, o que não é assim tão incomum em empresas como as tuas). Tua carreira bem-sucedida deve ter passado por vários momentos como o que vivemos. Até mesmo para calejados profissionais da imprensa, é difícil conter as emoções diante de uma vitória sobre a qual se haviam construído grandes expectativas.
Mas te cuida, isso pode te trazer prejuízos, porque isso transcende à questão das pesquisas. Ou desconheces que muita gente acha muito ruim a qualidade da informação que teus veículos trazem? Que muitos, como eu, tenderão a comprar dos teus concorrentes em razão da parcialidade sub-reptícia e suja, porque não assumida, que a tua turma vem demonstrando, editoria por editoria, a cada santo dia. Pior: já pensaste se os 47% que perderam a eleição deixarem de comprar teus produtos, como já se anda sugerindo por aí?

Ao longo do tempo, a RBS nos acostumou, na área dos esportes, com o escancarado viés de torcedor de alguns de teus articulistas. Sei que estimulas esse comportamento. Entra ano e sai ano, novos comentaristas sabidamente colorados ou escancaradamente gremistas assumem postos-chave na linha de frente da empresa, e isso tem dado bom resultado por anos. Isso tem dado certo! Dá uma dinâmica legal a muitos programas com anos acumulados de sucesso. Acho que devias fazer o mesmo nas outras áreas – política, economia, educação, cultura,... - já que nesse ramo em que trabalhas sabemos que não existe a tão afamada imparcialidade. Põe camiseta neles! Em cada editoria, uns para bater, outros para exaltar: vai dar mais credibilidade à papelada, às imagens, às fotografias, às falas. E teremos um bom debate permanente, educativo, esclarecedor, ao alcance da população por uns poucos tostões. Sem aquela maldade de dar a balinha só para um dos netos, depois que os outros já saíram, ou escolher sempre o filho mais velho para herói, sem ligar para a auto-estima dos mais novos. Puxa, isso poderia realmente ser instigante! Já pensaste nisso, em como poderia ser bom para todos os gaúchos e catarinenses sobre os quais tens influência direta?

Mas não seja injusto com o pessoal. Eles trabalharam arduamente esse tempo todo e tu bem sabes que tudo estava combinado para ser assim. Está certo, exageraram, deram bandeira. Mas quem não mostraria a cara com o clima que essa eleição tomou? Não viste como foi lindo, as ruas coloridas de vermelho e branco, as bandeiras judiadas e encardidas de tanto uso dos militantes da Frente Popular e as de plástico novinho do Rigotto, a bola da vez, colorindo as ruas, o pessoal abrindo o voto de forma cidadã.

Lembrando disso, queria te dizer mais uma coisa que eu acho muito importante. Pára de instigar a briga, o sangue, pára de provocar uns e outros! Essa gente é faca na bota, tu bem sabes! Não viste o perigo que é a provocação? Parece ridículo, mas a verdade é que tive muitas vezes de dizer para os meus adversários basta de ódio, porque tanta raiva?. Queriam brigar o tempo todo conosco e a gente ali só se divertindo, brincando de fazer coreografias na sinaleira, fazendo piadas com os casais divididos entre os dois candidatos: - larga essa mulher! – eu dizia para eles. Foi divertido. Fora aquela hora em que tentaram arrancar a minha bandeira de estimação, que comprei no comitê da primeira campanha do Olívio, porque já naquela época eu achava que não havia jeito para todos nós se o país tivesse cada vez mais miseráveis pelas ruas.

Mas foi só no dia mesmo da eleição que eu me dei conta de que não havia acontecido nada assim tão grave nesses quatro anos de governo petista para um ódio tão explosivo. Me pareceu coisa criada, se é que me entendes. Que nem a história das pesquisas. Ainda que peças desculpas, que foi erro do IBOPE, coisa e tal, confesso que fiquei indignado com o destaque nenhum que deste aos números apresentados pela pesquisa do teu concorrente. Já que os números estavam tão diferentes, essa era a grande notícia a dar, vasculhar os critérios, aprofundar a celeuma, discutir o caráter das pesquisas publicamente, franquear teu poder para buscar a verdade, custe o que custar. Seria muito bom para todo o mundo. Ou será que esta é uma idéia muito romântica e ingênua de jornalismo?

De outro jeito, isso acaba influenciando o pessoal. Está cheio de gente que se deixa influenciar pelas pesquisas, eu sei que tu sabes disso. Conheces tudo de mídia. Quem sou eu para meter meu bedelho? Mas eu acho que aquela turma de quem eu falei mais em cima e o mau hábito das tuas múltiplas editorias em publicar meias-verdades ou exagerar na foto, manipulando imagens ou reordenar os fatos ao sabor de suas conveniências tem a ver com esse ódio criado, por assim dizer. Verifica, dá essa contribuição para a sociedade. Evita semear mais ódio por aí, que os tempos já andam duros para todo o mundo, gente matando por centavos, por uma piadinha qualquer. Não viste como a vida anda valendo pouco ultimamente, não viste “Cidade de Deus”? Vai lá ver, é um filmaço. Pode te trazer algumas luzes. Já é tão difícil seguir o caminho do bem, como demonstra o filme... Se a gente ainda ficar instigando a briga o tempo todo, distorcendo as coisas, fazendo fofoca ao invés de jornalismo, aí vira um inferno.

Olha, Nelson, sei que deves ter os teus motivos, que uma eleição como essa tem impacto até mesmo na sobrevida de empresas como as tuas. Mas meu pai sempre me ensinou que a dignidade a gente deve carregar até a morte. Melhor passar fome do que ter que matar um outro para comer. Enfim, o que eu penso é que má informação é incompatível com o teu cargo, por assim dizer.

Era isso, Nelson. Um abraço.

Quando fiz o cursinho pré-vestibular, em 1975, muitos de nós ainda não tinham coragem de se expor em defesa da liberdade de expressão. Agora, a gente precisa brigar pela qualidade da informação.
 

Miguel da Costa Franco
mig@portoweb.com.br
 

NOTA: a publicação desta matéria no NÃO AO VIVO, em 16/11/2002, gerou uma série de comentários de leitores, selecionados por Miguel da Costa Franco em EXTRATO DE MENSAGENS RECEBIDAS.