Meus ídolos não são publicitários

Carol Bensimon



Logo vi que o negócio dela não era Washington Olivetto. No máximo um Oliviero Toscani, para acrescentar nomes à sua rebeldia. No "apesar de você" ela lembrou da ditadura, mesmo sem ter feito parte. Queria fazer. Daquelas que querem ter a liberdade tirada pra poder brigar depois pra ter de volta. Mas não tem glamour em porões da ditadura, eu disse. O vô foi torturado, exilado, escondido. Hoje colho os frutos da sua vida de merda - posso contar pros amigos que tive um herói na família e essas coisas. Mas ninguém comenta que colocaram um troço no cu dele. Isso acabaria com a magia toda.

Naquele dia teve um pouco de tudo. Ela falando sobre estudar cinema em Cuba e eu dizendo que os caras não tinham sucrilhos. Por causa do embargo. Tudo bem. Tio Fidel é gente fina, quem viaja na dele são os presidentes americanos bundões. Acho que alguém ouviu a parte do sucrilhos de canto de ouvido. Me chamaram de burguês. É tu, o filho da puta. Eu tomo vinho sangue de boi sentado no cordão da calçada.

Eu não sei o que essa mina queria com a publicidade. Daquelas pessoas que não podem ficar trancafiadas num escritório a tarde inteira. Sentar na praça, fumar um, falar bobagem. Acho que ela queria um emprego que pagasse pra isso. Ficar falando e falando e bebendo cerveja. Na mesa de um bar, de frente pra um troço bacana meio cheio de verde, a lua cheia e blá blá blá.

Ela me deu um beijo na bochecha e saiu pra ir no banheiro. Ou mijar entre um carro e outro. Mas eu não queria pensar nessa cena. Mijando acocorada no meio fio. Saiu e sumiu no meio da multidão. Gente conversando do meu lado. Eu queria prestar atenção no discurso do candidato à governador derrotado. Mas a galera já tava meio zonza e aquele cheiro de maconha dos carinhas próximos ficava entrando pelo nariz. A gente tinha colocado o barbudão na presidência e isso era motivo pra comemorar. Muito. Eu nunca fui de esquerda, não. Até uma certa idade, você acredita quando dizem que vão colocar umas pessoas pra morar na sua casa.

Tinha até entrado música de novo. De ditadura. Caminhando contra o vento sem lenço sem documento. Vem vamos embora que esperar não é saber. A gente quer ter voz ativa no nosso destino mandar. E eu só imaginando a mina. A mina gritando nas reuniões da UNE. Hoje UNE serve pra dar desconto em show. Taí a decadência. Democracia não vale nada. Cadê a mina que eu conheci? Saí por entre as pessoas. Era um dia do povo. Só nosso. E eu preocupado porque tinha encontrado essa pessoa fantástica que foi mijar e não voltou. Quando ouvi "meus ídolos não são publicitários" meio sem paciência, vi que era ela. Gandhi, Marthin Luther King... o que viria depois? Nelson Mandela, Fidel Castro, Malcom X....? JANIS JOPLIN???? Tá bom. Membro de comunidades alternativa. Se nascida 30 anos antes. Eu tinha medo de olhar pras suas axilas. Sempre achei que relaxamento não tinha nada a ver com ideologia. E adoro carne vermelha. Uma costela bem gordurosa.

Ei, tu aqui. Sim, eu. Tava atrás de ti. O banheiro. Não tinha ido ainda? Paramos num bar. O novo presidente estava falando. Dava pra ver a cara dele e não muito o que ele dizia. Sujeito de presença. A mina voltou do banheiro. Era Táti. Disse que estava juntando uma grana pra ir pra São Tomé das Letras. Em Minas. Nunca tinha ouvido falar (eu). Um lugar meio esotérico, onde os carros em ponto morto subiam uma ladeira (ela). Devia existir uma explicação científica pra isso em algum lugar. Mas eu não queria acabar com a misticidade da coisa. Tinha também UFOs, histórias de abduções, comunidades alternativas (com ou sem axilas depiladas?). Quer ir? Mas é óbvio que queria. São Tomé era meu sonho. Um pontinho interessante no mapa do meu novo Brasil.