O baobá das almas
por Ana Margareth Gonçalves
(Excerto do livro de contos "Estórias para ler no sofá")


Estou aqui sentado aos pés do meu baobá. Imbonzeiro, como chamava minha mãe, Ossê para o bisa. Meu bisavô se orgulhava ao repetir que os seus, há muito tempo mesmo, haviam trazido as sementes da Mãe África direto para o nordeste do Brasil.

Agora sou eu o bisavô, tantos antes de mim e também muitos depois. Passo boa parte do tempo aqui, encostado, recostado, deitado, grudado, bem perto do meu baobá. Minha gente, principalmente os pequenos, me traz uma bebida feita com o sumo de sua fruta, a mukua.

Porém agora eu gosto mesmo é de ficar aqui sozinho. No silêncio é que escuto os que já se foram. Eles moram dentro da minha árvore, e é por isso que ela tem um tronco tão volumoso e tão alto assim. Só irão fazer parte da terra quando ela também fizer.

Finjo para eles que já não sinto mais a dor da partida que se avizinha. Conversamos sobre coisas que vivemos juntos, e coisas que eu não sabia. São tão diferentes uns dos outros, mas o assunto é quase sempre um: as agruras do sertão. A seca não é coisa fácil...

Sei que não falta muito para eu ir morar no baobá. E que vou morar nele por mil anos.

Gosto do silêncio.




Ana Margareth Gonçalves é de Porto Alegre - RS, nascida em 1960. Adora contar histórias, que "considera uma montagem de quebra-cabeças, onde além do encaixe perfeito, é preciso criar as peças." São quatro livros já publicados e no prelo um infanto-juvenil, além de um infantil sendo ilustrado.