Não-café
por Debora Peters


Todo dia quando acordo, tem somente um combustível possível para me mover: o café.

Tudo muda, depois de uma caneca de café, na segunda caneca então, a minha locomotiva não para mais. Fica difícil de desligar. Sou totalmente movida a café, é uma bebida, para manhã, tarde e até noite. Quente ou fria. Melhor quente. Doce ou amargo. Depende do tipo. O café tem algo de alimento sobrenatural, eu diria, porque o seu cheiro não é deste mundo!


Esta quarentena, me fez ver uma coisa, que eu pensava que acontecia somente comigo: o fato de se usar o café para substituir refeições. Sempre fiz isto, ficava tomando café e não almoçava, por não querer parar de trabalhar, por falta de tempo. O café foi meu almoço ou qualquer refeição, que não dava para fazer. Na verdade, ainda é.

Acontece que este ano, fiquei surpresa, quando me dei conta que não era somente comigo!

O café pode servir para substituir uma refeição, para qualquer brasileiro. Isto não foi criação minha, uma notícia contando que um estudo do IBGE, apontou o café como o alimento mais consumido entre os brasileiros, cada pessoa bebe todos os dias 215,1 mililitros. A "Análise do Consumo Alimentar Pessoal no Brasil", mostrou o café em primeiro lugar, seguido do feijão (182,9g), arroz (160,3g), sucos (145,0g), refrigerantes (94,7g) e carne bovina. Para realizar a pesquisa, o IBGE pediu a 34 mil moradores de 13,5 mil domicílios selecionados em todo o País que registrassem o seu consumo diário de alimentos em dois dias não consecutivos.

Entretanto, esta pesquisa não coloca por que este aumento de consumo de café no lugar do feijão, por exemplo. Somente encontrei textos enaltecendo que café é vida, seus nutrientes etc. Nisto, fiquei pensando comigo, por que o café seria um novo alimento para o brasileiro? Será devido ao seu cheiro sobrenatural? ou na verdade, este líquido com açúcar, é a única possibilidade de se alimentar, é mais um retrato da nossa crise da política econômica brasileira?

Quer dizer, o café é vida? ou o cidadão brasileiro que não tem condições para outra vida, melhor?

Em 2019, o Brasil teve uma estimativa de crescimento econômico frustrado, taxa de desemprego acima de 11%, ou seja, estávamos pré-pandemia famintos por emprego e renda. A crise do Corona somente aprofundou isso. Este pais já estava é faminto, porque em fevereiro de 2020, antes de iniciar a pandemia, a fila de brasileiros que esperam pelo Bolsa Família já chegava a 3,5 milhões de pessoas, o que representa 1,5 milhão de famílias de baixa renda, esperando aprovação do governo federal. Com a pandemia, foi criado um auxílio emergencial previsto para alcançar até 70 milhões de pessoas, de diferentes situações.

A pesquisa expõe que a grande maioria dos brasileiros está tendo recursos para somente tomar um café com açúcar, e, quem sabe, comprar um salgado bem gorduroso, por R$ 1.

O Brasil não precisa de café para ficar acordado, o brasileiro não dorme de tantos problemas!

O Brasil precisa de comida, de saúde, respeito, educação e cultura, de um governo com política econômica de responsabilidade social, para poder se alimentar de tudo que tiver vontade.



Debora Peters é uma produtora audiiovisual brasileira.