No Festival de Brasília, semana passada, um sujeito de longas barbas brancas e ar meio alucinado apareceu num debate sobre "o mercado possível do cinema brasileiro", disse que se chamava Geraldo Pedroso e pediu pra falar. Falou um monte de coisas meio desconexas entre si e com nenhuma relação com o tema do debate ou mesmo do Festival. Depois, diante da impaciência do público e da mesa, disse que ia se desnudar: abriu o casaco, mostrou que vestia uma camiseta da Força Aérea Brasileira e se disse "inventor de uma entidade que uma vez foi conhecida como Geraldo Vandré". Tirou de dentro de um canudo uma pergunta, que ele trazia pro Sr. Luiz Carlos Barreto: por que Geraldo Vandré nunca recebeu um centavo de direitos autorais pela música que "ele" fez pro filme A Hora e a vez de Augusto Matraga?
Hoje é o último dia pra entregar matérias pro Não, primeiro número da nova fase. E eu ainda não entreguei nada. Já pensei em várias possibilidades e até agora não consegui me aventurar. Por que tanta dificuldade? Talvez porque eu envelheci. Talvez porque o Não envelheceu ainda mais que eu. Claro que é covardia: eu pelo menos não andei escondido dentro de um arquivo morto esse tempo todo. É preciso lembrar de onde veio isso tudo. Acho que o Jorge já deve ter preparado um editorial qualquer pra explicar essas coisas, mas mesmo assim eu me sinto na obrigação de dar um testemunho. Só que não agora. Fantasmas existem, alguém tinha dúvida disso? E o que define um fantasma vivo talvez seja o fato de que ele não sabe, por isso não pode fazer a sua hora. Por via das dúvidas, melhor fingir que não é conosco.
"Isso é problema do ECAD", respondeu o Barretão. O editor do primeiro Não na Internet é o Jorge", digo eu. E digo, por enquanto, na falta de um histórico mais bem elaborado, que eu me diverti muito entre 1975 e 1982, e que muitas vezes esse era o trabalho mais importante que eu estava fazendo, o que me tomava o melhor do meu tempo, e os meus melhores esforços. E que ajudou a formar essa minha irresponsabilidade, sempre voltada pro menos objetivo, pro detalhe, pra perda de tempo. Fiz muita coisa depois disso. Mas nada, tenho certeza, tão importante quanto aquele jornalzinho que não tinha absolutamente nenhum leitor que não fizesse parte do corpo de redatores. Mas não se preocupem: não vou me desnudar, pelo menos não agora. Não tenho direitos autorais a reclamar, do Barretão ou de quem quer que seja. Nunca usei a camiseta da FAB. E, pensando bem, não acredito em fantasmas.