Pra começar, o Lupicínio não é "do extremo-sul do Brasil", é de Porto Alegre, RS, Brasil. Depois, não conheço um lugar no Brasil em que não haja racismo. Uma vez, em Salvador, caminhei horas pelas ruas quase sem cruzar com brancos nas calçadas. Ao sentar em um bar, o garçom deu-me a pista: olhe para dentro dos carros, moço....
Em terceiro lugar, dizer que nós não temos expressões negras reconhecidas como tal e que não reconheceríamos o Lupi como compositor negro, é intolerável.Toda a hora há justas homenagens de nossos cronistas, artistas e autoridades pra ele. Seus intérpretes, como a Lourdes Rodriguese o Rubens Santos estão aí, valorizados. Por que o escritor não cita, por exemplo (nos milhares de parênteses de seu livro) que a batida de violão do Jorge Benjor (que ele tanto admira com razão) foi diretamente influenciada pelos guitarreiros negros de nossa cidade, como o Luis Wagner e o Bedeu? Tudo bem, pouca gente sabe disso.
Outra proposição descabida é a lista dos que seriam representativos do violão brasileiro. É obvio que o Caymmi, o J. Gilberto, o Gil e o Jorge Benjor são muitocriativos (especialmente os dois Gilbertos). Mas, convenhamos, isto não passa de bairrismo. [Aliás, pra quem não conhece o Duo Assad e o Paulo Bellinati e não rejeita o violão, vai a dica ...]. E pra quem não sabe, o violão brasileiro ainda é dos melhores do mundo, assim como o futebol brasileiro, e poucas outras coisas. O Toninho Horta, por exemplo, é o Herbie Hancock do violão.
Ainda me incomodou as várias vezes em que expressões musicais de valor são diminuídas. Jimi Hendrix, os "sambas de músico" como o "Astronauta" ou o pessoal egresso do Beco da Garrafas, são rotulados de jazzísticos, como se isto fosse defeito. Por acaso "Desafinado" e "Samba de Uma Nota Só" não são "coisas de músico"? Só falta dizer que o Coltrane ou Tom Jobim ou Radamés Gnattali foram muito musicais, como se isto fosse um defeito. [Aliás o Radamés sim, é uma grande expressão porto-alegrense e brasileira pouco valorizada por nós]. É uma postura complicada pra quem se proclama herdeiro da tal "linha evolutiva da MPB". Mal comparando, o Gerbase tem uma atitude corretíssima: sabe que não faz música e não engana ninguém dizendo que faz.
Quanto ao resto do livro, eu gostei da honestidade com que retrata uma proposta que era artística sim, bacana sim. É ótimo valorizar a necessidade da pretensão artística, coisa rara na música de nossos dias.