FUTURO BRASILIS
Por Giovani Letti
Vejo a televisão, naquela cena clássica
já descrita por McLuhan: o homem sentado no sofá, vendo as
coisas acontecerem na TV. Passo os canais até achar algo que me
interesse, indo parar no programa Márcia, do SBT. O tema do tal
programa girava em torno das perseguições de ex-maridos (ou
ex-esposas) em busca de reconciliação. Gritos, agressões
físicas e verbais, digressões baratas de um psicólogo
medíocre e a apresentadora dizendo: "Calma gente!" , "É isso
aí gente!". Enfim, algo de assustar quem ainda se surpreende com
algo (alguém de vocês?). Logo após, Jô Soares
entrevista Ratinho, o mais atual ícone pop. Falava das mutretas
pré-fama, das mutretas pós-fama, e o pessoal da platéia
morrendo de rir.
Nesse instante comecei a pensar, nenhuma crítica
específica contra a Márcia, o Ratinho, o Sílvio Santos
, ou contra o (Dr.) Roberto Marinho. A retórica de "feirante-deputado-picareta"
do Ratinho inspirou outra coisa em mim, a minha imaginação.
De repente, comecei a imaginar o futuro de um país novo, onde tudo
seria diferente, tudo seria banhado pela "estética ratiniana", ou
"estética do Gugu", ou ainda a "estética do tchan" (e suas
respectivas lógicas). Dessa forma, comecei a fazer previsões
de um futuro para o Brasil, segundo os padrões morais, éticos
e estéticos dos programas de televisão líderes de
audiência.
Seria um país ainda religioso, mas com
Walter Mercado na figura de Deus e do Edir Macedo na do Diabo, e vice-versa,
tudo dependendo do canal de TV que se assistisse e do 0900 para que se
ligasse. Aquele velho orgulho da família católica de ter
um filho padre, ressurgiria na alegria de ver o guri virando discípulo
de Walter, ou pastor de Edir.
As crianças seriam educadas segundo a
"pedagogia da bunda" , pois Carla Perez alcançaria seus objetivos
e seria consolidada como "Rainha Universal dos Baixinhos". Repetiria o
seguinte bordão todas as manhãs: "Vocês são
do Tchan?" E as crianças responderiam: "A gente é, a gente
segura o Tchan, Tchan, Tchan!" A média etária de virgindade
baixaria para 4 anos.
A política do "não é comigo!"
(educação, comida, emprego, saúde, etc...) dos nossos
atuais governantes, finalmente teria se institucionalizado. Essa política
daria as diretrizes para o que poderíamos chamar de "badfare state".
A corrupção seria oficial, inclusive com a criação
de cargos diretamente voltados para o propósito: assim teríamos
o "Secretário de Propina do Centro-Oeste", ou o "Agente Mutretário
do Legislativo" e é claro, o já clássico "Lobista"
(não precisaria das aspas). Tudo isso seria incorporado à
cultura nacional, sendo absolutamente comum, sem nenhum pudor ético
ou moral. O curral eleitoral se oficializaria, poderiam até derrubar
uma das obras que Oscar Niemeyer projetou em Brasília, para que
algum arquiteto menor (empregado de Sérgio Naya) fizesse um grande
curral de concreto, simbolizando os novos tempos políticos. Tal
monumento teria a seguinte inscrição: "Somos felizes e sabemos
disso!" As universidades de todo o país ministrariam o curso de
"demagologia" .
Mas nada disso derrubaria o que será a
força maior do mercado "globalizado-tropicalizado- abrasileirado":
a economia informal. Hoje o montante de dinheiro que a informalidade econômica
produz já é gigantesco, mas nesse meu futuro brasilis tudo
iria ser muito, mas muito maior. A economia formal quase não existiria.
Imaginem um gigantesco camelódromo, vendendo a falsificação
da falsificação, pois é, isso é o que terá
se transformado o nosso comércio formal. Mas não se preocupem
que o pessoal do governo daria um jeito de cobrar imposto, que teria outro
nome: "taxa de proteção". E por falar em bandidagem, justamente
eles seriam nossa redenção no mercado globalizado, dariam
palestras no FMI para contar como "hiperpotencializaram" os recursos produtivos
da miséria. GM, IBM, nada disso. É CV na cabeça meu
amigo!
É um mundo caricato, sem dúvida,
ou melhor, com dúvida. Pensemos agora nos fatos reais que a mídia
nos mostra todos os dias. Nas mutretas que a politicada faz com o bem público,
na impunidade que até nós mesmos permitimos, na banheira
do Gugu, no Collor, no porrete do Ratinho, nos movimentos pélvicos
da Carla Perez, no discurso e na careca do Lasier Martins, nos aviõezinhos
de dinheiro do Sílvio Santos, no Calmon de Sá, no Sérgio
Naya (apenas para citar os mais recentes), enfim, nisso tudo. Creio que
minha imaginação não se afastou muito do real ("Parece
pesadelo, mas é Real!").
Giovani Letti
SIR@vortex.ufrgs.br