Há que haver um limite?
 
por Venceslaoo Pietro Pietra*
 
 

A edição de número 54 deste já tradicional veículo de informações traz em seu bojo um artigo assinado por um Makoonaima, morador do aprazível balneário de Los Angeles, na América do Norte. O texto leva o título de Lusitana Existência e se desdobra em missiva posteriormente enviada sob a epígrafe
A Essência do Não. Uma nota do editor informa que o signatário "nasceu João Carlos Junqueira" e que, em seus tempos de estudante no Colégio de Aplicação "virou Barê, por motivos que não vêm ao caso". Foi colaborador do Não em sua fase manuscrita, fazendeiro em Mato Grosso e consta que hoje leciona música brasileira. O articulista informa ter lido a edição número 53 do Não "de cabo a rabo" e sugere "limites" à linha editorial do órgão. Julguei que algumas de suas observações mereciam breve comentário.

Em primeiro lugar, preconceituoso é a véia. Esse teu texto só podia ser coisa desses viadinhos do Aplicação, que botavam um livrinho do Sartre debaixo do braço e iam pra Redenção dar o cu pro zelador da jaula dos sagüis. Pensa que eu não sei? "Professor de música brasileira em Los Angeles..." Tu acha que alguém aqui é otário? Tu deve tá dançando lambada em cima de um queijo numa boate gay de Venice, o bichôna!

Em segundo lugar, achei muito profunda a sua observação "humanos são, por natureza, contraditórios". Isso é uma verdade. Mas quero lembrar que nem todos os humanos mantêm sua natureza contraditória durante toda a vida. Pelo menos não se definirmos contraditório como sendo o caráter daquilo que contém "duas proposições tais que uma afirma o que a outra nega". Com o decorrer dos anos ou, como diriam nossos irmãos nordestinos, de caju em caju, alguns seres humanos engendram muito mais que duas proposições, umas que se anulam, outras que se opõem, umas que não tão nem aí e outras que não sabem se dão ou comem o carreteiro. Para citar um exemplo, eu tinha um vizinho, o Xadubo, que detestava judeu. Numa das guerras do Oriente Médio, não lembro qual, ele comprou várias caixas de sabão em barra e construiu um trincheira no meio da sala. Ficava deitado no chão, atrás da trincheira de sabão, de pijama e capacete nazista, vendo o noticiário na televisão, torcendo para os árabes e xingando os judeus, aos gritos: "Dessa vez eles vão empurrar vocês pro mar e não vai ter Moisés pra abrir a água!". Mas por que eu lembrei disso? Ah, sim, os "seres humanos são, por natureza, contraditórios". O Xadubo não era contraditório. Ele era louco mesmo.

Em terceiro lugar, somos todos de elite, é claro, com várias refeições por dia, dentes e cartões de crédito. Eu tenho até um computador! Também é claro que nos achamos e nos pensamos mais inteligentes ou menos idiotas do que os alvos de nossa masturbação. Você não?

Em quarto lugar, não, não acho que tenha que haver um limite.

Em quinto lugar, bravos jovens era piada.

Em sexto lugar, a tal dicotomia (Por que não dialética? Não tá mais se usando?) é só provocação.

Eu digo que "Qualquer idiota pode ter o seu próprio programa de televisão". Você diz que "Qualquer idiota pode ter a própria homepage/website/sítio, ou seja lá o que for". É claro que sim. Disso você conclui que nós não devemos fazer críticas a personalidades que abusam de sua popularidade (é mais falta de vergonha na cara, em todos os sentidos) em programas idiotas de televisão. Não entendi. Esse era o sétimo lugar, eu esqueci de escrever no começo do parágrafo, agora vou deixar aqui no fim mesmo.

Oitavo, você acha mesmo que o Não faz parte da mídia? Puxa, obrigado.

Nono, nós não somos pobres. Nenhum de nós. E nossa crítica à elite, que somos, me parece bastante saudável.

Em décimo lugar, "Eu Só Quero Você", Banda Cheiro de Pum, Sony Music.

Em décimo-primeiro lugar, nem meditando longamente à sombra de um coqueiro que dá coco eu consegui entender o que significa "reduzindo o mundo inteiro da música a um ponto de vista REDUCIONISTA individual".

Em décimo-segundo lugar, sua observação "livros e computadores podem perfeitamente beneficiar-se mutuamente mas, é claro, são duas FERRAMENTAS distintas" lembra um pouco, em estilo e graça, sua já citada "humanos são, por natureza, contraditórios". Que tirada! Sugiro outras, anote aí. "Os jogadores de futebol viraram mercenários, ninguém joga mais por amor ao clube". "O pior não é o calor, o pior é a umidade". "Os sambas de carnaval têm hoje o ritmo muito acelerado, viraram marcha. Hoje ninguém mais samba na avenida". Curiosa também sua tendência em escrever algumas palavras em maiúscula no meio da frase. Seria acidental? Você já percebeu que no canto inferior direito do seu teclado há um pequeno artefato digitiforme onde se lê a inscrição "caps lock"?

Em décimo-terceiro lugar, o que há de errado em escrever para dar tesão no leitor? Você sugere que, em vez disso, nossos colaboradores masturbem-se "até oito vezes se necessário for, e então experimentem escrever sobre outro assunto". Você aprovaria um texto sobre cãibra?

E em décimo-quarto lugar "gosto é gosto, não se discute" é de matar! Nem merece fazer parte da série do azulejo. Gosto se discute, sim. Gosto se discute, é claro. Gosto é o que mais se discute.

Porto Alegre, 22 de abril de 1988.


Vesceslaoo Pietro Pietra nasceu sem nome mas no dia de Santo Antônio foi batizado como Jorge Furtado. No colégio Anchieta, lugar de macho, era chamado de muitas coisas, geralmente pelas costas. Foi lateral direito do time B do Araribóia em várias oportunidades, pelo menos três que eu lembre. Eficiente na marcação, razoável no apoio.