Daí, ele foi mandar um fax pela agência do correio. Deu o número do telefone da casa do amigo para a funcionária que atendia, e avisou: uma secretária (eletrônica, ele queria dizer) ia atender, e depois a funcionária podia mandar o fax. A funcionária discou, e do outro lado da linha entrou a voz do dono gravada na secretária eletrônica, seguida pelo bip convencional. A funcionária olhou para o cliente, muito séria, e corrigiu: "Não é secretária, é secretário. Voz de homem..."
Ele caiu para trás. Amor à primeira vista. Apaixonou-se pela inocência da funcionária. Sua espantosa ignorância beirava a poesia.
Na hora, não teve coragem de revelar o que sentia. Até que, um dia, resolveu mandar um fax para seu grande amor, se declarando, antes de perdê-lo para um desses interesseiros que vivem em volta. Ele discou o número da agência, torcendo para que fosse ela atendendo. Não deu outra: era a funcionária, com sua voz de sílfide. Gaguejando, ele pediu: "O sinal de fax, por favor?" E a voz do outro lado respondeu: "Aqui não tem ninguém com esse nome", e desligou.
Depois de muito pensar, ele voltou à agência, um mês depois, para dizer tudo de uma vez. Tarde demais, porque ela já fora demitida por incompetência. E ele se deu conta de que a funcionária era mais do que inocente: era burra, mesmo.
Nunca mais encontrou a funcionária poética.
Jacira fica sabendo que Ríverson é louquinho por ela. Dizem que ele acha Jacira uma delícia. Jacira se irrita: o que é que eu fiz pra merecer isso? Quem ele pensa que eu sou? Uma qualquer? Ele que me falte ao respeito, e vai ver só. Imagine! Um sujeito como aquele... Eu não aceitava ele nem se estivesse a perigo! Homem feio. E não faz o meu tipo. Se fizesse, já tinha saído da lista, pela petulância de ficar aí me rondando como se fosse alguma coisa. Mais: deve ser ruim de cama. Pretensioso. Cara de umbu.
Jacira não dá mole para Ríverson, até trata mal o infeliz:
- Ô rapaz, vem cá. Sabe o que é vectoeletronistagmografia?
- Não.
- É avaliação do equilíbrio, para checar tonteira. E nasofaringolaringoscopia, o que é?
- Também não sei.
- Avaliação de nariz, garganta e cordas vocais. Está vendo? Não sabe nada. Ainda acha que é grande coisa?
- "A quem serve, prudência. A quem é servido, paciência."
- Como é que é?
- "A quem serve, prud-"
- Não, eu ouvi, sim, que não sou surda, quero saber é que negócio é esse que você disse!
- Li num cartaz de uma padaria em Botafogo.
- ...Cartaz de padaria! Mas é um baixo nível! E pra que você está me dizendo isso?
- É que-
- Quer me enrolar?
- Eu?
- Não, bocó, estou falando com quem? Mal-educado!
E Jacira faz questão de contar como ele é inconveniente para a amiga que achava ele simpático e até admitia namorar o Ríverson, se ele quisesse. Ríverson foi embora e nunca mais souberam dele. A amiga acabou alcóolatra depois de dois casamentos que não deram certo. Jacira, ainda solteira, já sem esperanças de encontrar um homem que a ature, às vezes lembra: o Ríverson era louquinho por mim. Me achava gostosa! Pelo menos era o que diziam. Aí, Jacira ri por dentro, o orgulho inflado. Beleza!
- Deve haver um motivo para tanta desgraça nessa terra. E eu sei o que é: quando "eles" querem, conseguem tudo. "Eles", são "eles" que fazem o que bem entendem, às custas de quem está por baixo.
A velha falava sozinha, na rua, no balcão da loja, em fila de ônibus. "Eles", "eles", "eles". Tudo era "eles". Uma sociedade secreta a serviço do Mal. O perigo morava em cada esquina e tudo era por causa de quem? "Eles".
Um dia, a velha tropeçou em dois executivos bem-sucedidos, daqueles bronzeados, com sorriso boçal, olhos meio fechados, os donos da ilha da fantasia. Lado a lado, os executivos falavam alto em seus celulares, mansamente, e olhavam em torno com uma calma estudada, como se não devessem nada a ninguém. A velha não resistiu: foi se aproximando, e os executivos automaticamente baixaram o volume da conversa. A velha cada vez mais próxima, e os executivos falando baixinho. Até que a velha grudou, e eles se calaram.
A velha olhava para eles. Eles olhavam para a velha.
Desconfiados, os dois desligaram seus celulares e entraram num táxi. A velha foi atrás.
Desceram um quarteirão depois. A velha, a pé, viu os dois entrando no prédio. Foi seguindo, e a quem perguntava o que ela queria, apontava para os executivos:
- Tô com "eles".
Até que entrou escritório adentro, e exigiu ser recebida. Fez um escândalo, até que os executivos apareceram. A velha só ia embora depois de confirmarem que eles eram "eles".
- Sim, nós somos nós mesmos, não somos outros - responderam, às gargalhadas.
- Então, eu tô certa? Vocês são "eles", mesmo? "Eles"?
Os homens acenavam com a cabeça: claro, eles eram "eles". Papo de maluco!
A velha fulminou:
- Bom, se é com vocês que eu tenho que me entender,
o problema é o seguinte: quanto é que vocês querem
pra aquela mulher dos diabos deixar meu filho em paz?