Acabo de ler um livrinho chamado Livre-Troca, que é um diálogo entre o sociólogo Pierre Bourdieu e o artista plástico Hans Haacke editado originalmente em 1994. A crítica ao neo-conservadorismo americano e ao mecenato cultural praticado nos países "desenvolvidos" é uma tônica. Do outro lado da mesma moeda, afirma-se a necessidade de que a produção artística e de ciência sejam relativamente autônomas em relação aos interesses do lógicas do mercado e da dominação política.
Sobra pra todo mundo. Inclusive, e talvez principalmente, para os artistas e/ou intelectuais que se deixam vencer e não disputam junto a seus públicos (entre eles os jornalistas, os publicitários) que a arte e a ciência social não devem estar subjugadas a interesses válidos em outros "campos" da atividade humana.
Ando rabiscando um artigo com o nome provisório "A Política Cultural interessa a quem?" tentando pensar a ascenção dos órgãos oficiais de apoio à cultura e as mudanças nos vários ambientes culturais nos últimos 10 anos no nosso estado. Como há muitos interesses e muitos ambientes envolvidos, não é uma pergunta de fácil resposta. Em princípio, fico desconfiado dos resultados destes esforços coletivos no sentido de que se produza e se usufrua de arte ou pelo menos do descobrimento de aspectos interessantes de nossas vidas.
Agora, o cúmulo destes esforços é a lei estadual de incentivo à cultura. Além de dar grana pra quem não precisa, como o Zaffari, a RBS, a Gerdau (que deixam de pagar impostos pra reforçarem a legitimidade de suas marcas), há também uma privatização da oficialização do que tem valor histórico/cultural. Quem tem capacidade hoje de afirmar o que é culturalmente importante nem é o Estado (por seus funcionários da burocracia ou da academia), nem os jornalistas, nem os críticos (não sabemos notícias recentes desta espécie) e nem muito menos os artistas. Quem dá as cartas programadores privados travestidos de oficiais pelo incentivo monetário desnecessário. A música boa esteve no Beira-Rio, e ninguém contestou. Esta semana, o curador da próxima bienal foi trocado. Só que a matéria do jornal não esclarecia quem tem o poder de nomear o curador. Que é que manda na tal Bienal e na tal Fundação da bienal? Por que foi mudado o curador? Isto parace ser assunto de economia interna das empresas. Assim, como a escalação da seleção da Nike, ou melhor, da seleção nacional de futebol do Brasil.
Esta proposição é obviamente parcial e política, mas o programa partidário de política cultural em que apareça o apoio a esta lei é, no mínimo, conservador e reacionário.