Aqui no bairro não passam muitos carros, ninguém tem dinheiro para comprar um, então tem bastante espaço livre e as ruas são nossos campos de futebol. A frente da casa do seu Jonas é o melhor lugar porque ele nunca nos incomoda, mesmo quando a bola cai na varanda dele. Ele é legal, ficou viúvo, como a mãe, mas eu acho que deve ter um bom emprego porque a casa dele é a melhor da vizinhança. Uma vez o seu Jonas me chamou pra dentro da casa dele, para me mostrar a coleção de aviões em miniatura que ele tem. Foi a coisa mais linda que eu já vi, por isso não resisti e coloquei um na mochila, para levar pra casa.
Bom, o fato é que eu não consegui tirar da cabeça a culpa por ter roubado o aviãozinho e decidi devolver. Bati na porta da casa do seu Jonas, mas ninguém abriu. Então eu empurrei de leve e ví que a porta estava aberta, entrei. Recoloquei o avião no lugar e resolvi tomar um copo d’agua na cozinha. Foi então que eu vi o pé, saindo debaixo do fogão, com manchas roxas e azuis. Me abaixei e toquei no dedão. Estava grudento, por causa do sangue.
-Você não tem medo? - meu coração gelou quando ouvi a voz do seu Jonas. Me virei e ví ele parado na porta da cozinha
-Você não tem medo? - repetiu ele.
- Não. - respondi .
-Você não gostaria de saber como isto veio parar aqui ?-perguntou.
-Não - repeti.
-Então... se você me ajudar eu compro uma bicicleta para você - falou se Jonas.
Minha mãe está desempregada e eu queria uma bicicleta, então eu cortei a perna, que estava embaixo do fogão, em três partes; primeiro com um facão e depois com uma serra, quando o facão perdeu o fio. Coloquei os pedaços num saco de lixo, botei na mochila e enterrei no mato atrás da escola.
Como uma pessoa não tem uma perna só, e também tem braços e todo o resto, eu passei todas as tardes daquela semana na casa do seu Jonas, trabalhando com a serra.
Agora tenho uma
bicicleta, e os aviões em miniatura também são meus.
Acho que logo vou ganhar um vídeo game, porque eu vi uns pingos
de sangue na varanda da casa do seu Jonas.