ATRAÇÃO VITAL
roteiro inédito de Carlos Gerbase
 
 
                Um dos momentos mais felizes (em todos os sentidos possíveis) do cinema brasileiro foi a pornochanchada carioca na década de 70. Filmes baratos, feitos sem dinheiro público, que davam lucro, divertiam aos espectadores e permitiam que outros filmes parecidos fossem feitos. Assim eram também as chanchadas da Atlântida: ingênuas, populares e lucrativas. O cinema só é essencial quando chega ao público, o que foi obtido nestes dois momentos, guardadas as proporções de suas respectivas qualidades artísticas.

              Os personagens de "Atração vital" são, de certo modo, antípodas dos tipos presentes nas porno-chanchadas. Nestas, a regra era procurar o sexo oposto sofregamente, arriscando tudo por alguns momentos de descontração. Se havia uma família, esta era um obstáculo a ser superado. Se havia um casamento, este era sinônimo de prisão. Em "Atração vital", marido e mulher insistem em fazer, sob as bençãos da Igreja e da Sociedade, o que as figuras tão "imorais" das porno-chanchadas faziam escondidas.

            Dando continuidade à exitosa série “NÃO jogue fora, jogue no NÃO”, por mim iniciada com “Minha vida até aqui (melhores momentos)”, no NÃO 54, publico agora o roteiro de “Atração Vital”, inscrito no concurso Resgate do Cinema Brasileiro junto com o roteiro de “Deus Ex-machina”, que acabou virando filme, enquanto esta “Atração Vital” caía na vala funda, escura e mal-cheirosa dos projetos nunca realizados. Mas eis que chega o momento desta história ver a luz, nem que seja a de um pobre e solitário computador ligado na Internet. Devido à extensão do texto (24 páginas) sugiro que o roteiro seja salvo e depois impresso. Boa leitura.



 
ATRAÇÃO VITAL
 

CENA 1 - QUARTO DO CASAL/INTERIOR/NOITE

Ambiente de puro sexo. Implícito, é claro. Numa cama de casal, um homem e uma mulher estão entretidos com a mais antiga das diversões. Vemos primeiro seus rostos. A mulher geme bem alto, quase escandalosa. O homem é mais do tipo que sua e bufa. Vemos detalhes dos seus corpos: os pescoços, os tornozelos, os joelhos, as mãos, nada de indecências (ainda). A mulher, cada vez mais entusiasmada, grita e fala umas bobagens típicas desse momento de pouca auto-crítica. O homem, molhado de suor, continua a bufar. Vemos finalmente os dois corpos por inteiro. Descobrimos que a mulher ostenta uma avantajada barriga de gestante, tipo nove meses e estourando. Esse fato parece não atrapalhar a relação. A coisa se complica um pouco quando a mulher tenta se movimentar. Pede ajuda. O homem tenta puxá-la, mas não consegue. A mulher desiste e murmura algo que pode ser "Vamos assim mesmo", mas não dá pra escutar direito, por causa do barulho da cama rangendo. O homem vai pros finalmentes. A mulher grita cada vez mais alto. O homem, lavado de suor, faz aquela careta que beira o ridículo, os olhos fechados, os dentes trincados, etc. A mulher também encerra sua participação, com uma série final de gemidos. O homem está extenuado. A mulher está aparentemente satisfeita. O silêncio domina o ambiente. Então a mulher geme. O homem olha pra ela, surpreso. A mulher geme outra vez, desta vez bem mais alto. O homem confessa:

O homem fica observando a mulher, preocupado. Ela sorri, tranqüilizadora. E então grita de novo, mais alto que antes, contorcendo-se de dor.

CENA 2 - QUARTO DO FILHO/INTERIOR/NOITE

Um menino de uns cinco anos, vestindo pijama, está na frente da TV, jogando "Street-fighter" no vídeo-game, com um fone de ouvidos. O som da cena é ponto-de-vista do menino, ou melhor, ponto-de-ouvido: rock violento em volume absurdamente alto. Na tela, pancadaria generalizada. O pai (o homem da cena anterior) abre a porta, no fundo do quarto, e fala alguma coisa. Vemos seus lábios se mexerem, mas é claro que não ouvimos nada. O pai, nervoso e apressado, grita. É inútil. Então o pai aproxima-se e tira um dos fones da cabeça do guri. O volume do rock diminui pela metade, mas agora também há o som do vídeo-game (muitos AARGHS e UURGHS). O pai, que se chama Gilberto, grita:

Ouve-se um grito de Madalena, a mãe. Caetano veste-se desajeitadamente. Seus pais aparecem na porta. CENA 3 (Créditos iniciais) - QUARTO DO FILHO / PORTA DA CASA / CARRO DA FAMÍLIA / ENTRADA DO HOSPITAL / SALA DE PARTO / QUARTO DO HOSPITAL / CARRO DA FAMÍLIA / PORTA DA CASA

Imagens da câmara de video (filmadas do monitor, e não transferidas decentemente). Bem amadoras: câmara na mão, problemas de foco, edição meio caótica. Os créditos iniciais aparecem superpostos a estas imagens, todas de curta duração (no máximo 3 segundos). Vemos o casal na porta do quarto do filho (final da cena anterior); saindo apressados da casa (o pai faz sinais de "vamos lá" para a câmara); no carro em movimento; entrando no hospital (portaria); e entrando no setor de partos. A imagem fica escura por instantes. Quando volta, aparece Caetano, meio emburrado, sentado num sofá. Uma mulher mais velha (sua avó) está a seu lado. A velha abana para a câmara. Depois já aparecem imagens da sala de parto. A criança nasce. Madalena sorri para a câmara. Mais uma vez a imagem fica escura por instantes. Quando retorna, estamos no quarto do hospital. Madalena segura o bebê no colo. Gilberto faz gracinhas idiotas para a criança. A vó fala sem parar, mas ninguém presta atenção. A seguir, o casal entrando no carro (a mãe no banco de trás). O casal abrindo a porta de casa. De repente, a imagem é substituída pelos chuviscos característicos de fita ainda não gravada.

Cena 4 - SALA DA CASA/INTERIOR/NOITE

A TV da sala exibe os chuviscos. Caetano desliga a câmara, que estava gerando as imagens. Entram imagens do Jornal Nacional. A família está toda na sala. Madalena dá de mamar ao bebê. Gilberto presta atenção no Jornal Nacional. Caetano abre um gibi de super-heróis e começa a ler, mas antes coloca fones de ouvido. que estão ligados num "walk-man". A avó fala sem parar, mas ninguém presta atenção. Sobre estas imagens, ouve-se, em primeiro plano, a voz de Gilberto (narração). À medida em que a narração fala das pessoas, ficam em segundo plano as seguintes trilhas: para Madalena - a canção de ninar que ela cantarola, totalmente desafinada, enquanto amamenta; para o bebê, a canção, só que cantada por uma voz celestial; para Caetano - um rock violento; para a avó - o som da prórpra voz, monótona e interminável; para Gilberto - o Cid Moreira lendo a última notícia do Jornal Nacional (se possível, alguma abóbora bem idiota).

GILBERTO (OFF) Esta é a minha família. Quer dizer, essa velha é a mãe da Madalena. Está só de visita. Antigamente morava conosco, mas acabou indo embora, porque se sentia muito sozinha. Essa é a minha mulher. Ela não é linda? Acabou de ter um filho e parece que ter saído de um Baile de Debutantes. Eu sou louco por ela. Tem um corpo espetacular, uma pele macia, pernas maravilhosas, seios.. Bom, só que atualmente apenas a Rita aproveita os seios. Ela vai ser linda como a mãe, tenho certeza. Tem treze dias de vida. Tenho medo do que vai acontecer quando tiver treze anos. Esse é o Caetano. Na escola, dizem que ele é precoce. Talvez pudesse ser um gênio infantil e ganhar muito dinheiro, mas prefere ser apenas uma criança idiota e feliz. E esse sou eu, tentando assistir o Jornal Nacional. Sou o chefe desta família, formada há mais de dez anos. Logo depois do casamento, eu e a Madalena planejamos tudo: alguns anos só para nós, e depois um filho. E o plano correu maravilhosamente bem... Até nove meses e treze dias atrás.

CENA 5 - QUARTO DO CASAL/INTERIOR/DIA

É um flash-back (nove meses e treze dias atrás). Gilberto e Madalena estão entretidos na mais antigas das diversões (eles gostam de antigüidades). O ambiente é de puro sexo, como sempre. Só que desta vez eles estão quase vestidos, aproveitando rapidamente o horário do almoço, e Madalena não tem barriga. Gilberto está sentado numa cadeira. Madalena está sentada em cima dele. Quando terminam, deitam na cama e ficam olhando para o teto. Conversam em voz baixa. A voz de Caetano vem de trás da porta fechada.

Gilberto abre a porta de repente. A bazuca dispara uma bola de ping-pong, que atinge o baixo-ventre (isso mesmo: o saco) de Gilberto. Ele se assusta, pensa em revidar, mas então lembra que este é um momento solene. CENA 6 - SALA DA CASA/INTERIOR/NOITE

Continuação da cena 4. Só que agora quem fala é Madalena, ainda dando de mamar. Primeiro vemos o seu rosto, depois (ponto-de-vista dela) o rosto de Gilberto, de Caetano e do bebê.

MADALENA (OFF) Foi estranho quando eu disse pra ele que tava grávida de novo. Pensei que ia ficar brabo. Pensei que ele ia me culpar. Mas não. Ele simplesmente chamou o Caetano e disse que ele ia ter uma irmã. Estranho. Acertou até o sexo. A partir daí, é tudo flash-back, com imagens variadas do casal em diversos momentos de sua vida em comum (atenção para figurinos e cabelos!) que ilustrem a narração.

CENA 7 - SALA DE UMA CASA ONDE ACONTECE UMA FESTA/INTERIOR/NOITE

O clima, pra variar, deve ser de puro sexo. Estamos em uma festa da turma de Madalena, em 1982, embalada por algum rock da época. Madalena está sentada, conversando com alguém. Gilberto se aproxima e a convida pra dançar. Gilberto fala alguma coisa no ouvido de Madalena. Ela ri. Dançam até o final da festa.

CENA 8 - CARRO NO ESTACIONAMENTO DO BÁSICO/INTERIOR/NOITE

Os dois dentro do carro, transando.

CENA 9 - QUARTO DE MOTEL/INTERIOR/NOITE

Os dois numa cama de motel, transando.

CENA 10 - PRAIA/EXTERIOR/DIA

Os dois, dentro d'água, transando.

CENA 11 - ACAMPAMENTO/EXTERIOR/NOITE

Uma barraca pequena, em terreno que mistura grama e areia. Madalena está deitada numa rede pendurada entre duas árvores, lendo, com a luz de um candeeiro a gás. Gilberto chega com duas casquinhas de chocolate e flocos. Entrega a casquinha de Madalena. Ela lambe. Ele senta ao lado dela, o que deixa a rede toda torta. Ela reclama. Ele a beija. Ela tenta resistir. Mas é inútil: logo estão transando. A porcaria é grande com os flocos e o chocolate.

CENA 12 - BANHEIRO E CORREDOR DE UMA CASA/INTERIOR/NOITE

Os dois no banheiro de uma casa onde está acontecendo uma festa, transando. Tem uma fila de gente querendo entrar no banheiro. Batem na porta, xingam, mas não adianta.

CENA 13 - QUARTO DE HOTEL/INTERIOR/NOITE

Primeira noite da lua-de-mel. Madalena está lindíssima, vestida de noiva (no começo, é claro). Ele também está vestido com a roupa do casamento. No final do texto, estão transando.

CENA 14 - QUARTO DO CASAL/INTERIOR/NOITE

Os dois na cama do apartamento (o mesmo das outras cenas). Deitados na cama, um de cada lado, cada um lendo um livro, muito concentrados.

Os dois se olham ao mesmo tempo. E não resistem: atiram os livros longe e se beijam apaixonadamente. CENA 15 - COZINHA/INTERIOR/DIA

Ela tá fritando batatinha. Ele chega por trás e rapidamente ataca. Transam enquanto as batatinhas queimam.

CENA 16 - SALA DA CASA/INTERIOR/NOITE

Eles estão vendo TV na sala. Num bercinho, Caetano, com menos de um ano de idade, está quase dormindo. É uma cena de novela, com um beijo quente e apaixonado. Para Caetano, aquela seqüência monótona é definitiva: fecha os olhos e ressona.

Caetano abre os olhos e vê os pais no sofá, bem na sua frente. Gilberto e Madalena olham para a criança, assustados. Mas Caetando está com muito sono e volta logo a dormir. Eles escapam para o quarto e recomeçam.

CENA 17 - SALA DA CASA/QUARTO DAS CRIANÇAS/QUARTO DO CASAL/ INTERIOR/NOITE

Voltamos ao presente. Caetano, dormiu, mesmo com os seus fones de ouvido despejando centenas de decibéis por segundo. A velha também dormiu sentada, e ronca escandalosamente. O bebê dorme pacificamente no colo de Madalena. Enquanto ouvimos a narração de Gilberto, acontecem as seguintes ações: Gilberto acorda a velha, que, sempre falando sem parar, pega a bolsa, dá um tchauzinho e vai embora. Gilberto despluga o fone de ouvido de Caetano. Ele imediatamente acorda. Gilberto bota o plug de volta. Ele dorme de novo. Gilberto pega Caetano no colo e o leva pro quarto das crianças, ao mesmo tempo que Madalena também carrega o bebê até a cama. Lado a lado, ficam um tempo admirando o bebê dormir como um anjo. Depois começam a se beijar. Escapam para o quarto deles. Mais beijos, cada vez mais quentes. A coisa poderia evoluir, mas... ela está de quarentena. Cada um deita dum lado da cama. Abrem seus respectivos livros. Se olham de vez em quando. No final, vemos as capas dos livros: "O TAO DO AMOR E DO SEXO" e "SEXO TÂNTRICO PARA LEIGOS". Fade-out.

CENA 18 - SALA DE AULA/INTERIOR/DIA

Fade-in. Últimos momentos de uma aula de literatura brasileira numa escola de II Grau. Gilberto está na frente do quadro-negro, onde rabisca alguma coisa sobre "Dom Casmurro" e Machado de Assis.

CENA 19 - ESCRITÓRIO ONDE TRABALHA MADALENA/INTERIOR/NOITE

Final de expediente. Madalena em sua mesa, atendendo a um telefonema enquanto olha o relógio.

CENA 20 - SALA DE AULA E CORREDOR DE ESCOLA/INTERIOR/DIA

Gilberto continua sua aula.

Toca a campainha. Gilberto interrompe a frase pela metade e, enquanto rapidamente pega os livros sobre a mesa, grita: Ele está tão apressado que consegue chegar na porta antes dos alunos. Caminha rápido pelo corredor. Alguns alunos olham, espantados.

CENA 21 - ESCRITÓRIO ONDE TRABALHA MADALENA/INTERIOR/DIA

Madalena olha o relógio de pulso, que é digital. Marca 17: 59. Passa pra 18:00. Imediatamente ela começa a recolher suas coisas e botar na bolsa. Em quinze segundos está de pé, caminhando para a porta. Os colegas de trabalho ficam espantados.

CENA 22 - ESTACIONAMENTO DA ESCOLA/EXTERIOR/DIA

Gilberto chega no estacionamento, sempre apressado. Abre a porta do seu carro, entra, liga o motor, acelera duas vezes e arranca. Duas alunas pedem carona, mas ele nem vê.

CENA 23 - PARADA DE ÔNIBUS/EXTERIOR/DIA

Madalena está numa parada de ônibus, impaciente. Espicha o olho, pra ver se o ônibus está vindo. Mas ele não vem. Caminha de um lado pro outro. E então faz sinal para um táxi. O táxi pára. Ela embarca.

CENA 24 - ESCOLA DE CAETANO/EXTERIOR/DIA

Gilberto estaciona na frente do colégio de Caetano. Caetano está sentado num murinho, conversando com uma menina. Gilberto faz sinal para o filho, mas ele não vem logo. Gilberto sai do carro, pega o filho pela mãe e praticamente o arrasta para o carro.

CENA 25 - SALA DA CASA/INTERIOR/DIA

Madalena entra em casa. A babá já está pronta pra sair. E sai. Madalena pega o bebê no colo e começa a dar de mamar.

CENA 26 - RUA ENGARRAFADA/EXTERIOR/DIA

O carro de Gilberto num engarrafamento. Pragueja. Bate na direção. Caetano atira nos carros vizinhos com uma metralhadora UZI de brinquedo.

Caetano obedece. Gilberto sorri.

CENA 27 - QUARTO DAS CRIANÇAS, BANHEIRO E SALA DA CASA/INTERIOR/ DIA

Madalena coloca a filha no berço. Ela está dormindo. Vai para o banheiro e começa a tomar banho.

Gilberto e Caetano chegam em casa.

Gilberto dá mais uma olhadinha no bebê. Certifica-se de que o sono é profundo. E então entra no banheiro. Olha, através da cortina de plástico molhada, para Madalena. Madalena sorri. Tira o resto de espuma do cabelo e sai do box, enrolando-se prontamente num roupão. Gilberto, parado no meio do banheiro, numa posição meio ridícula, olha pra ela. Os dois imediatamente se abraçam, se beijam, se esfregam e estão mais que dispostos a encerrar a quarentena no banheiro mesmo. Gilberto arranca o roupão de Madalena. E então ouve-se, bem alto, o choro do bebê. Eles interrompem o beijo. Madalena coloca o roupão e sai. Gilberto vai atrás. Madalena pega a filha no colo. O choro passa imediatamente. Gilberto chega bem perto e sorri. Madalena dá mais duas embaladinhas. O bebê parece dormir. Gilberto sorri, satisfeito. Madalena coloca o bebê no berço. Ele imediatamente recomeça a chorar. Madalena pega outra vez a criança no colo. Gilberto sorri amarelo. Madalena embala a criança. Giberto senta. O choro diminui e depois pára. Giberto fica animado. E então o choro recomeça. Fade-out.

Fade-in. Gilberto olha para a frente, ansioso.

Os dois saem do quarto das crianças. Na sala, começam a se beijar. Gilberto empurra Madalena para uma poltrona. Madalena fecha a cortina da janela. Gilberto quer tirar o roupão de Madalena. Então a campainha toca. Madalena olha pelo olho-mágico e abre a porta. Caetano entra, com cara de emburrado. CENA 28 - QUARTO DO CASAL/INTERIOR/NOITE

Gilberto está deitado, lendo. Madalena está sentada, terminando de amamentar a filha, que acaba dormindo. Madalena coloca o bebê num carrinho, perto da cama, e deita. Gilberto olha pra ela, que devolve o olhar com um sorriso. Gilberto coloca o livro no criado-mudo. Logo estão se abraçando, beijando e tirando a roupa um do outro. Madalena afasta Gilberto e pede:

Ela levanta, vai até a porta e vira a chave. Encosta-se na porta. Olha para o marido, maliciosa, e volta para a cama. Recomeçam os amassos. E então ouvem batidas na porta, logo seguidas pela voz de Caetano. Madalena imediatamente levanta, abre a porta e pega Caetano no colo. Leva-o para a cama. Ele rapidamente se ajeita entre os pais e pega no sono. Madalena sorri para Gilberto, tentando demonstrar bom-humor. Ele também sorri amarelo. Gilberto apaga a luz. Madalena vira de lado e prepara-se para dormir. Mas não fecha logo os olhos.

MADALENA (OFF) Naquela noite, eu tive um pressentimento. Uma coisa idiota, que veio na minha cabeça. Eu pensei: nós nunca mais vamos transar. Até fiquei um pouco nervosa. Mas logo eu me acalmei e esqueci aquela bobagem. Amanhã ou depois, tudo voltaria ao normal.

Madalena fecha os olhos.

CENA 29 - SALA DA CASA E QUARTO DO CASAL/INTERIOR/NOITE

A família vê TV. Tá começando um filme de terror bagaceiro na TV. Aperecem os créditos iniciais, com uma música bem soturna. Na verdade, apenas Gilberto assiste, porque Caetano acaba de adormecer numa poltrona, e Madalena dá de mamar para a criança pequena, que, como sempre, pega no sono. Gilberto divide sua atenção entre o vampiro da TV, que admira o pesoço de uma bela mulher, e sua própria esposa, que nota o olhar do marido e sorri. Madalena coloca Lica no carrinho. Gilberto levanta e vai até a poltrona da mulher. Beija-a no pescoço. Ela gosta. Se abraçam. Se beijam. Toca a campainha.

Madalena abre a porta. A velha entra, falando sem parar. Fade-out de imagem e de som.

Fade-in de imagem e de som. A velha está se despedindo, já na porta, e fala sem parar.

Madalena finalmente consegue fechar a porta. Na TV, aparece o "THE END" do filme de terror. Madalena e Gilberto ajeitam as crianças nas camas e voltam para a sala. Madalena vai na frente. Gilberto olha para a nuca da mulher e avança, emquanto fala. Agarra a mulher pelas costas. Vai logo metendo a mão nos peitos. É claro que ela gosta. Vai rolar a descontração. E então ouvem o choro de Lica. Gilberto vai pro quarto. Tira a roupa e vai pra baixo das cobertas. O choro da criança pára. Ele sorri, animado. Logo depois, Madalena aparece, com uma cara de enterro. CENA 30 - CARRO DE GILBERTO E DIVERSAS FARMÁCIAS/ EXTERIOR/INTERIOR/NOITE

Vemos Gilberto dirigindo seu carro. Logo depois, uma sucessão de atendentes de farmácia dizendo que não. Gilberto olha para prateleiras vazias, com uma expressão de vazio existencial. Voltamos a ver Gilberto dirigindo o carro.

Gilberto entra numa farmácia e olha para a prateleira de fraldas. Num canto, solitário, um pacote tamanho pequeno. Gilberto caminha para a prateleira. Mas um outro pai é mais rápido, ultrapassa-o e apanha o pacote. Gilberto pára. Zoom pra frente e travelling pra trás (ou o contrátrio, a idéia é fazer aquele efeito bagaceiro). Gilberto fica furioso. Vai partir pra cima do outro pai, mas este acaba de ler o plástico do pacote. CENA 31 - QUARTO DO CASAL/INERIOR/NOITE

Gilberto entra no quarto. É tarde demais. Madalena, Caetano e Lica estão em cima da cama. Os dois primeiros dormem profundamente. O bebê, ainda de bunda de fora, bem desperto, sorri para o papai.

CENA 32 - ENTRADA DE UM MOTEL/EXTERIOR/NOITE

Gilberto e Madalena estão na fila do motel, sábado à noite. Quando encostam o carro, aparece o aviso de "Lotação esgotada".

CENA 33 - ESTACIONAMENTO DO BÁSICO/EXTERIOR/NOITE

Gilberto e Madalena, dentro do carro, abraçam-se, beijam-se, etc. Quando estão prestes a começar, um carro da Brigada encosta. Descem dois brigadianos e pedem documentos.

CENA 34 - ACAMPAMENTO/EXTERIOR/NOITE

Madalena numa rede, de biquini. Gilberto chega com duas casquinhas de chocolate com nozes. Senta ao lado de Madalena e entrega a casquinha dela. Olham-se. E então jogam as casquinhas longe. Gilberto vai pra cima. Um dos galhos da árvore que prende a rede cai. Os dois desabam no chão.

CENA 35 - COZINHA E SALA DA CASA/INTERIOR/NOITE

Madalena está fritando batatinhas, com um braço enfaixado. Gilberto chega por trás, com uma perna enfaixada, e a abraça.

Ela gosta. Ele a leva pra sala. Começam a se beijar. As batatinhas pegam fogo. A fumaça sai da cozinha e invade a sala. Gilberto pega um extintor de incêndio e controla a situação.

CENA 36 - SALA DA CASA/INTERIOR/NOITE

A família toda vê TV. Inclusive a velha, que fala sem parar. Gilberto e Madalena, conformados, apenas olham um para o outro.

CENA 37 - QUARTO DO CASAL/INTERIOR/NOITE

Gilberto está dormindo, enquanto Madalena amamenta.

CENA 38 - SALA DE AULA/INTERIOR/DIA

Gilberto no quadro-negro, termina de rabiscar alguma coisa sobre Nelson Rodrigues. Vira-se para os alunos. A partir daí, câmara super-lenta, mostrando as seis meninas da primeira fila. Cada uma mais deliciosa, provocante e convidativa que a outra. Todas olham bem nos olhos dele. Parecem dispostas a tudo e mais um pouco.

CENA 39 - QUARTO DO CASAL/INTERIOR/NOITE

Gilberto acorda de repente, com um grito meio engasgado, assustando a mulher.

Madelena coloca a filha no berço, deita e fecha os olhos. CENA 40 - ESCRITÓRIO ONDE MADALENA TRABALHA, LANCHERIA E BMW / INTERIOR/DIA

Um homem aparece bem na frente da mesa de Madalena. Eles se olham e, surpreendidos, sorriem. Ele é Alberto Jorge, antigo namorado de Madalena, que continua bonito e agora é ainda muito mais rico. Conversam. Combinam alguma coisa. Sentam juntos numa lancheria. Riem. Ele dá carona pra ela num BMW. Alberto Jorge está mais sedutor que nunca.

CENA 41 - ESTACIONAMENTO DO COLÉGIO/EXTERIOR/DIA

Giberto está manobrando para sair. E então vê, pelo retrovisor, uma das suas alunas (que também esteve no sonho) conversando com um garoto um pouco mais velho. De repente, ela o abraça. Ele a empurra tão forte que ela cai. Imediatamente Gilberto sai do carro e caminha em direção ao incidente.

CENA 42 - BMW NO ESTACIONAMENTO DO MCDONALD'S DA CARLOS GOMES/ EXTERIOR/DIA

Os dois no carro, olhando a vista da cidade, sem comer nada.

CENA 43 - CARRO DE GILBERTO/EXTERIOR/DIA

O carro de Gilberto estaciona.

CENA 44 - BMW NO ESTACIONAMENTO DO MCDONALD'S/EXTERIOR/DIA

Continua a conversa dentro do carro.

CENA 45 - CARRO DE GILBERTO/EXTERIOR/DIA

A aluna pára um pouco de chorar e recua o rosto. Mas, quando fala, está a poucos centímetros de Gilberto.

CENA 46 - BMW/EXTERIOR/DIA

Alberto Jorge, sempre segurando a mão de Madalena, aproxima-se mais. Madalena parece em transe.

CENA 47 - CARRO DE GILBERTO/EXTERIOR/DIA

A aluna limpa as lágrimas. Olha fixamente para Gilberto, que parece em transe.

CENA 48 - BMW/EXTERIOR/DIA

Alberto Jorge entreabre os lábios, a poucos centímetros de Madalena, que continua em transe.

CENA 49 - CARRO DE GILBERTO/EXTERIOR/DIA

Aluna entreabre os lábios, a poucos centímetros de Gilberto, que continua em transe.

CENA 50 - BMW/EXTERIOR/DIA

Alberto Jorge vai encostar os lábios. E então Madalena sai do transe, recua, abre a porta e sai. Fecha a porta e fala:

E sai correndo, à procura de um táxi.

CENA 51 - CARRO DE GILBERTO/EXTERIOR/DIA

Aluna vai encostar os lábios. E então Gilberto sai do transe, recua e fala:

CENA 52 - EM FRENTE AO EDIFÍCIO/EXTERIOR/DIA

Um táxi pára. Madalena sai correndo. Entra no edifício. O carro de Gilberto estaciona. Ele sai correndo e entra no edifício.

CENA 53 - HALL DO EDIFÍCIO/INTERIOR/DIA

Madalena pega um dos elevadores. Gilberto, logo depois, pega o outro.

CENA 54 - PORTA DO APARTAMENTO/INTERIOR/DIA

Madalena está abrindo a porta quando Gilberto também chega. Vão se beijar, mas a porta abre.

CENA 55 - SALA DO APARTAMENTO/INTERIOR/DIA

A babá está com Lica no colo. A mãe de Madalena faz gracinhas para ela, enquanto fala sem parar. Caetano está jogando vídeo-game na TV da sala. Gilberto e Madalena mal passam da porta e páram, aturdidos.

O telefone toca. Caetano atende. A babá sai. A velha sai, levando o bebê. Caetano sai, batendo a porta atrás de si.

Gilberto e Madalena estão sozinhos na sala. Olham-se. Abraçam-se. Beijam-se. Tiram a roupa. E transam. Mais selvagemente que Michael Douglas e Sharon Stone em "Instinto selvagem". Mais filosoficamente que os japoneses de "O Império dos Sentidos". Mais explicitamente que todo o elenco de "A ilha das ninfetas taradas e dos sátiros insaciáveis - parte IV". A câmara roda, embriagada, em volta deles, enquanto a música, apoteótica, incomoda os vizinhos de todos os edifícios da quadra, até chegar num clímax dantesco e millerniano, ao mesmo tempo em que o jovem casal, como Adão e Eva, come, a mais não poder, dos frutos da árvore da sabedoria.

Fade-out de imagem e som.

CENA 56 - QUARTO DO CASAL/INTERIOR/NOITE

Fade-in. Madelena coloca Lica no carrinho, ao lado, da cama. Deita-se na cama, onde já estão Gilberto (lendo) e Caetano (dormindo). Empurra um pouco o filho pra conseguir se ajeitar. E então começa, bem devagar.

Gilberto larga o livro e olha para Madalena. Madalena faz cara de culpada. Gilberto, lentamente, vai aproximando-se dela. Tem que se estender todo para passar por cima da Caetano, mas consegue levar seus lábios até os de Madalena. Vão começar a se beijar. E então Lica começa um berreiro infernal.

CENA 57 - CRÉDITOS FINAIS