CINEMA
por Sandra Costa
 
 
O que é cinema? Basicamente, é luz - feixes luminosos projetados. E nós gostamos de luz. O encanto do sol está na luz, o dos diamantes está na luz, dos arco-íris, na luz. Quente, refletida, colorida. No cinema, luz dirigida (literalmente). Nós temos esse fascínio natural pelo que brilha, cintila, resplendece. A luz da razão, a luz do teu olhar. O cinema mesmeriza.

Cinema vem do grego kinema, atos, movimento - luz em movimento. E nós gostamos de movimento. O cinema nos projeta o espectro inteiro das emoções humanas. E nós gostamos de emoções humanas projetadas em histórias de ação, paixão, amores, guerras, reviravoltas de destinos, mundos fictícios desfilando na tela para o nosso prazer.

Li num verbete sobre cinema, que ele organiza a realidade de uma maneira artística”, que “as coisas da vida aparecem transfiguradas pela visão cinematográfica, que a concentração da ação, no cinema, elimina as esperas, impaciências e tédios da vida. Recebemos ação-emoção condensada pelo ângulo de visão da câmara, do diretor. Um pouco o que acontece nos nossos sonhos, no nosso inconsciente.

E assim como o inconsciente, o cinema, à solta, é perigoso. Vemos na tela um justiceiro competente, um caso de amor insano, uma qualquer coisa engrandecida que nos desperta o desejo de sermos, como os personagens, maiores que a vida. Só que dificilmente podemos ser maiores que a vida na nossa vida. Nisso a arte nos ganha. Ver na tela desgraças maiores que as nossas, sim, tende a nos fazer sentir valorizados, mas ver quem tem o que não temos (e queremos), mesmo quando nos torna momentaneamente felizes (por identificação), por comparação, nos faz pensar que a nossa vida é um nem vou dizer. Bom mesmo é ser aquele outro ali, grandão, na tela. A gente aqui em baixo não vale nada.

Então, é uma questão de embarcar, sim, voar na ficção enquanto dura, hipnotizados, mas voltar ao chão com distanciamento porque quando acabou, acabou, estamos de volta ao nosso corpo, levando a nossa própria vida, com os nossos próprios recursos, em nosso próprio tempo e cidade, com a nossa própria cara e sobre os nossos próprios dois pés.

Nos expondo ao que vem sem depois digerir arriscamos ser soterrados por uma avalanche de lixo mental de dúvidas, problemas, vontades que a gente, antes, nem tinha e que através do impacto dessa linguagem (absorvente, dinâmica, intensa, penetrante) se imprimem com força na nossa mente. O cinema exalta, mas nem tudo o que vai parar nas telas é bom. Para saber temos que nos expor, mas com competência para nos defender. Mesmo quando é ruim, o cinema tem muito poder.