GOSTEI, NÃO GOSTEI (2)
anotações sobre filmes vistos por Nelson Nadotti
(mas não é crítica; just for fun)
Mogambo, de John Ford - Seria um típico faroeste deste diretor,
só que foi filmado na África, tem negros no lugar de índios
e Clark Gable é o mocinho em vez de John Wayne. Parece filme de
aventura, mas a história principal é de um triângulo
amoroso. Ava Gardner faz a piranha de bom coração que vai
parar na propriedade de Clark, um caçador e organizador de safaris
no coração da África. Os dois se envolvem nume estalar
de dedos, e ele, que xingava Ava de tudo que é jeito, de repente
agarra Ava e dá-lhe um beijo de desentupir pia, só porque
é noite, ela está rondando em volta dele e ambos acabaram
de tomar o primeiro gole do primeiro drink (típica falta de degrau
de John Ford: quando o macho bota o pau pra fora, toda mulher, seja ela
quem for, tem que ajoelhar e rezar; dane-se se é inverossímil).
Uma semana depois (numa elipse violenta), Ava está tocando piano
(bela metáfora), mais feliz que pinto africano no lixo da savana,
quando chega um barco e Clark despacha Ava, sem coração mole.
Por coincidência, o mesmo barco traz um casal de cientistas, e a
mulher é... Grace Kelly! Pronto, melou tudo. O marido de Grace é
um idiota que nunca enxerga como a esposa rebola para o lado de Clark,
que dá cada amasso na futura princesa de Mônaco a ponto de
se temer que ela quebre aquele lindo pescoço. E a história
para aí: enquanto o marido idiota faz pesquisas científicas
à noite, Clark passeia com Grace pesquisando onde fica o ponto G
dela. Claro que Ava, que ia embora, faz que vai mas não vai, e volta
a tempo de botar fogo na história, que ela não foi muito
bem paga para sair de cena logo na primeira meia hora de filme. Sucedem-se
diálogos espirituosos onde Ava dá vazão a seu ciúme
pelo que rola entre Clark e Grace: ela chega a fazer dois comentários
sobre as orelhas de abano de Clark, comparando a um elefante africano.
Mas também são hilárias as cenas como a de um passeio
de jipe, em que aparece tudo que é bicho, ao mesmo tempo, correndo
ao lado do veículo, cada um com sua manada: impalas, zebras, leões,
etc., como se fosse a coisa mais natural do mundo estes bichos todos viverem
amontoados no mesmo lugar, tendo tanto espaço em volta num continente
do tamanho da África; não ficaria surpreso se aparecessem
até cangurus e ursinhos-panda. A virada no final do filme, depois
de quase duas horas de ensebação, vem quando Clark não
tem coragem de contar ao marido de Grace que o casamento do corno dançou.
E aí Clark enche a cara e recebe a ajuda de Ava para, juntos, encenarem
um amasso que faça Grace pensar que Clark é um galinha, e
assim Grace se vê humilhada e volta a valorizar seu casamento com
o pateta do marido. Da mesma forma impassível como Clark tinha passado
uma hora e meia suspirando por Grace, ele se vira para Ava e pede a outra
em casamento (isso é que eu chamo de sentimento constante...). E
o filme acaba por aí, com os negros cantando algo que parecia Português,
mais menos assim: "Vai lá/ Vai lá/ Chega mais e.../ Vai lá/
Vai lá/ Chega mais e..." Tudo a ver com a atitude de Clark durante
o filme; só faltava cantar um "cráu!", depois do verso "Chega
mais e...". Mais absurdo que tudo: ninguém explica o que quer dizer
"Mogambo", que nem é pronunciado. Deve ser a palavra em algum dialeto
africano significando "aquele-filme-sem-pé-nem-cabeça-que-John-Ford-
perpetrou-durante-suas-férias-na-África". Em tempo: adoro
o John Ford de pérolas como "Depois do vendaval" e "Paixão
dos fortes".