Talvez ele seja a batalha que hei de perder, a primeira desde a perda de minha mulher e minha filha. O que fiz com minha filha nem mesmo eu me atrevo a lembrar, ou saber. Com toda a gente que enganei e matei, ainda me surpreende o remorso. Preciso de outro cigarro. Ninguém se atreve a me pedir pra parar, talvez devessem, assim ainda morro de câncer. Mas na vida tenho tão poucos prazeres, pra que viver mais? Tavez eu devesse ter sobrevivido ao atentado. Maldita mania de sobreviver.
Talvez um dia eu possa sair deste exílio auto afligido, ou coisa melhor. Talvez me aposentar e mudar pra Miami, talvez San Diego. Dizem haver grandes praias com casa ótimas e calmas pra se morar por lá.
Pego minha peça, desmonto, monto, quarenta e cinco segundos para toda a operação. Ainda em forma, velhos hábitos são difíceis de morrer. Aponto para minha própria cabeça. Firme, seguro, em posição. Olho no espelho, velho acabado, gravata lisa velha acabada, terno bege odeio bege, olho cinza velho acabado, é melhor puxar o gatilho. Sim, puxar o gatilho.
Não puxar o gatilho. Ainda tenho muito a fazer. Mesmo velho e acabado não posso morrer, mesmo que mereça. Acendo outro cigarro. Pego a folha com o poema, amasso, acendo e jogo no cesto. Ninguém deve saber que me importo. Pego o papel do maço de cigarro, desdobro, escrevo você deve morrer, dobro e entrego chamo mensageiro, ele sabe o que fazer.
Entrego ao mensageiro que se atrasou como de costume enquanto acendo
um cigarro. Alguém precisa fazer o que faço. Ninguém
faz melhor que eu. Olho o cigarro aceso em minha mão, já
fumei de mais por hoje. Jogo fora e sento na Lexicon de novo. Meu filho
pode estar com saudades.