Da Carta de Um Apaixonado
por Guilíerme de Andrade
Marcos andava, de um lado para o outro incessantemente. Olhava para o
céu e só via o infinito, nem ao menos percebia o movimento das
andorinhas avisando que o verão já estava começando. Alguém passa ao seu
lado e o cumprimenta mas ele só estava preocupado com a reação de Marta
quando lesse a carta. "Será que eu fiz certo em escrever-lhe?" - se
perguntava a todo momento. Resolvera sair dali e ir para um lugar mais
calmo. Entrou num bar e sentou ao lado da janela. Enquanto olhava o
movimento das pessoas na rua indo e vindo pensava no seu amor por Marta.
Pensava também nos versos de Camões e concordava que o amor é chama que
arde sem doer enquanto cantarolava "As time goes by", nesse momento, já
pensava em Humprey Bogart e Ingrid Bergman se despedindo no final de
Casablanca e desejava que seu amor também fosse eterno e duradouro
enquanto durasse.
"O que deseja, senhor?" - o garçom falava mas era como se fosse uma
língua totalmente diferente. "Hein?! Ah, sim... Um refrigerante... Sem
gelo, por favor". O movimento na rua aumentava, era a hora do rush. "A
essa hora, ela já deve ter lido a carta. Será que gostou da minha
declaração?" Nesse momento, já pensava com a lógica de todo apaixonado,
isto é, pensava sem qualquer lógica.
Teria sua carta sido adequada? A dúvida e insegurança habitavam a sua
mente, alimentando o seus mais profundos e até mesmo os mais banais de
seus pesadelos. E se ela não gostasse? Se achasse tudo aquilo uma
idiotice? E se achasse que ele era um completo idiota? Ah, como são
inseguros esses apaixonados... Pena que a paixão um dia acabe e eles se
tornem apenas chatos e rancorosos, simplesmente desprezando aqueles a
quem tanto amaram um dia.
Alguém liga a 'Junke Box' e enquanto toca uma velha canção de amor a
imagem de Marta vem a sua cabeça. Seus cabelos esvoaçantes, negros como
de Iracema, os lábios também eram doces como um favo de mel. Sua voz
parecia ter saído de um conto de fadas. Ela não tinha defeitos. Poderia
até ter um defeito, o de não corresponder ao amor sincero e intenso que
lhe era oferecido, mas Marcos não acreditava que ela o tivesse.
Queria pensar que ela também o amava, como Romeu amou Julieta. Mas a
dúvida lhe era inerente. "E se... Pior, e se... Não, não pode ser...
Seria ela capaz disso?" Se torturava a cada instante, os minutos tinham
a duração de um século.
"Aqui está o seu refrigerante, senhor. Mais alguma coisa?"
"Não, obrigado. Será que ela vem?"
"Como, senhor?"
"Ah, me desculpe... Só estava pensando..."
"Com licença, senhor."
O garçom certamente não tinha entendido nada, parecia um diálogo
surrealista.
"E se ela não recebeu a carta? Como vai ser? Devo escrever uma nova".
Ele olha o relógio, se passaram dez minutos, e ainda falta o mesmo
tanto. Ah, a ansiedade; quão cruel é. Nosso herói, um pouco quixotesco
na aparência, mas fiel ao seu amor. Seu primeiro amor. Seu primeiro
encontro. Sua primeira enamorada. "Teria ela um outro namorado? Um
pretendente?" Os pensamentos fluíam na cabeça de Marcos como um mar
revolto em noite de lua cheia. "Não, não têm". Se apressava em
responder. E se tivesse? "Ao vencedor as batatas". Bem, ele não
concordava com o ponto de vista de Machado de Assis, não para este caso.
"Ao vencedor as batatas... Ao vencedor as batatas..." Por que pensara
naquilo? Agora não saía de sua cabeça. "Besteira, nem sei se ela tem
realmente um paquera. Me preocupo à toa".
Como se fosse de propósito, um casal na mesa ao lado entre beijos e
abraços só lhe aumentava a ansiedade, e com ela a insegurança e o medo.
O casal se beijava e ele pensava se iria fazer o mesmo com sua amada.
Ter-lhe em seus braços, dizer o quanto lhe amava, satisfazer todos os
seus desejos, ter a quem dizer que as bolinhas de champanhe fazem
cócegas.
"Será que ela não vem? Só faltam cinco minutos? Não posso mais esperar,
vou a seu encontro... Não, e se nos desencontrarmos? É melhor ficar.
É..., vou ficar. Aliás, o que são cinco minutos. A vida na Terra não
surgiu de uma hora para outra". Sorte ele não ter lembrado que o
universo se formou em frações de segundo...
Neste momento, como um raio que ilumina toda a noite, como o sol que
brilha por sobre o Rio de Janeiro num belo domingo de sol, entra uma
mulher bar adentro. "É ela, é ela". Não, não era. Já começara a ter
alucinações. Imagens iam e viam de sua mente. Parecia viver eternamente
o mesmo efêmero momento, que se prolongava indefinidamente.
Nesse momento, levantou, caminhou lentamente até a 'Juke Box' e escolheu
uma música. Mas os pensamentos continuavam a lhe atormentar. Começava a
acreditar que sua carta não fora entregue, ou pior, que seu amor não era
correspondido, que tinha sido motivo que chacota entre as amigas de
Marta. "Não, não é possível. Marta não faria algo assim... Não a minha
Marta, não comigo".
"Telefone. Vou ligar para a casa dela e ver se já saiu... E se ela
atender o que eu faço? Digo que foi engano ou pergunto sobre a carta?
Bem, se ela atender quer dizer que não virá aqui. Quer dizer que ela não
gosta de mim, que sou um idiota... Melhor não arriscar".
O relógio bate cinco horas. "Cinco horas! Está na hora! Quando ela
chegará? Ela está atrasada!"
"Cinco e cinco. Ela não vem... Vou embora... Não, esperarei mais dez
minutos... Só mais dez". Os olhos neste momento estavam oscilando entre
o relógio e a porta de entrada. É então que ele tem a visão que mudaria
a sua vida.
A garota mais bonita que já tinha visto em toda a sua vida. E ela não
estava entrando no bar, estava saindo. "É agora... Ela é linda...É a
minha chance. É agora ou nunca. Marcos se levanta rapidamente e segue
aquela mulher tão fascinante. A mulher da sua vida.
Enquanto Marcos saia em busca da mulher que achou tão bonita quanto
Vênus, Marta entrava no bar, com a carta na mão, um sorriso no rosto e a
intenção namorar Marcos...
'Que bicho é esse que se chama amor? Que bicho é esse?'