A Casa Branca como ela é...
por Roberto Tietzmann
O Banho
Nunca antes um sabonete havia percorrido tanto tempo aquele corpo. A
primeira-dama da nação mais poderosa do mundo se entregara a um banho de
princesa. Fazia quase uma hora que se trancara no banheiro e não respondia
aos apelos da filha ou do marido. Estava entregue a si mesma. Despudorada
com o próprio corpo. O trinco gira. Trancado. Ela sorri, feliz com o
interesse que despertou. Há meses seu marido não a procurava mais para
orientar nenhuma decisão importante do Executivo.
Saída do banheiro, envolta em um robe de laço frouxo, busca seu homem pela
casa. Quarto. Cozinha. Living. Nada. Havia sumido como o próprio desejo dele
pela esposa, substituído por uma obsessão doentia, constante, permanente,
pelos eternos serões de trabalho na Casa Branca. Estaria Bill escondendo
algo? A sombra da dúvida a fazia ter vertigens. As insinuações que via nos
tablóides davam-lhe náuseas.
"Cadê seu pai?", perguntou à filha atirada em almofadas próximas de um
televisor.
Com um sorriso feito radiador de Scania, a adolescente olha para a mãe. O
fato é que estava prestes a chegar à universidade e nunca havia tido um
namorado. Seus poucos pretendentes eram políticos do quinto escalão buscando
alguma vantagem em namorar a filha do presidente.
"Saiu.", respondeu a filha, escondida pela cínica simplicidade dos jovens.
"Pra onde?", insistiu a mãe, quase segura da traição. "Não disse." rebateu a
filha. "Com quem?", arrematou a mãe, martelando o último prego no caixão de
sua confiança na fidelidade do marido.
-Sozinho.
"Saísse com um militar ou um ministro de estado então estava perdoado",
pensou a esposa que se julgava quase traída. "Homem que sai sozinho está
procurando é confusão", reafirmou para si mesma. "Acho que falhei como
esposa. Mas o que Bill queria eu não podia dar. Nunca! Oh, My God! Deus sabe
o quanto resisti! Que nossa filha nunca saiba, mas o nome dela, Chelsea, vem
de uma fábrica de charutos. Foi a única vez em que cedi aos desejos de meu
esposo.".
Impregnada da postura inatacável da maternidade, afirmou:
-Quando seu pai voltar, vai ser espeto!
Limusine
No telefone a musa fora incisiva:
-Vem depressa! Chispando! Vem! Vem!
A limusine cruzava as ruas de Washington em velocidade acelerada. Feito um
bólido do amor prestes a atingir o alvo. O motorista, íntimo do seio do
poder a ponto de mamá-lo vez que outra, ouvia atento ao presidente:
-Pensei que não ia dar em nada. A moça era muito séria.
-Séria? - repetiu o taxista de luxo.
-Seríssima! Era noiva, inclusive.
-Noiva de ter até casamento marcado?
-Pior. De tirar a roupa e se negar a tirar a aliança de noivado. Não existe
coisa mais pornográfica que a mulher que se entrega ao amante pensando no
futuro marido. O sujeito é o pior dos cornos. É o corno antecipado. É corno
até mesmo antes de ser oficialmente chifrado.
-E uma moça tão séria demorou a ceder?
-Lembre-se, James: Toda estagiária da Casa Branca é séria até quando deixa
de ser!
-E depois disso, senhor?
-Então é a hora dos advogados vestirem as chuteiras. Chegamos, James. É
aqui!
Botero
O desejo não precisa de grandes arenas. As mais febris batalhas do amor de
Washington aconteciam em um quarto-e-sala decadente. Os móveis pé-de-palito
haviam servido há inúmeros presidentes. Desde John Kennedy e Marylin aquele
conjugado era íntimo do umbigo do poder.
A porta se abriu e o feixe de luz revelou a estagiária. Rotunda como um
Botero. Disposta como uma Sherazarde. Nua como uma vênus vitaminada. Os
pensamentos mais dantescos e inconfessáveis tomaram conta do primeiro-tarado
da nação ianque. O sorriso quase demente vira um assombro que gela sua
espinha. Com o rosto lívido como maizena, estqueado no marco da porta feito
um secundarista, ele afirma:
-Os charutos! Esqueci!
O Cubano já descansa em berço esplêndido, entre os seios da primeira-amante
ddo país mais atômico do mundo. O Zippo cobre o umbigo. Ela empurra o
isqueiro um palmo para baixo e sorri, disparando:
-O homem que hesita frente à amante ainda é fiel à mulher!
A porta se fecha.
Refém
Um silêncio maciço tomara conta da primeira-casa naquela manhã. Por vários
minutos apenas os talheres soaram naquele fatídico café da manhã.
Determinada a saber a verdade a qualquer preço, a esposa não teve rodeios:
-Precisamos conversar. Quem é ela?
-Como assim quem é ela?
-Cínico! Por quem você está me trocando?
-Isso é um interrogatório, carambolas? Quero meu advogado!
-Você já é advogado, canalha!
-Devagar com a louça, mulher!
-Que devagar que nada! Teu santo é do pau oco! Vagabundo! Desgraçado!
Cínico! Cínico!
Xingou-o por cinco longos e intermináveis minutos. Irritada, usou todo o
vocabulário que conhecia para humilhá-lo. Chegou a inventar palavras novas,
oportunas para a ocasião. Houvesse imprensa naquele episódio sobraria
assunto para matérias até a última gota de tinta. A intimidade do lar era a
prisão de onde presa e algoz, marido e mulher, não podiam escapar. O réu
sentenciado sem se defender se entrega:
-Hillary, STOP!
Um silêncio tétrico toma conta do ambiente. O condenado toma a palavra:
-Eu tive um relacionamento impróprio com a estagiária da Casa Bran...
A esposa ajeita o cabelo loiro-farmácia. Fria como um iceberg, corta:
-Bill, não é disto que nós estamos falando.
-Não é?
-Não.
-Então do que é?
-Eu não vim até aqui com você por nada. Quero o poder. Amo o poder. Mais que
a mim mesma. Mais que você. Mais que minha família. Mais que meu país. Se
você PENSAR em me afastar das decisões do governo por causa de uma
estagiária, eu vou TE DERRUBAR TÃO FEIO QUE VOCÊ VAI QUERER NUNCA TER
NASCIDO!
Xeque-mate. Diminuído como um adolescente repreendido por um professor
rígido, o homem mais poderoso do país mais poderoso do mundo agora era um
refém do próprio casamento. Assombrado com a própria fragilidade, percebeu
que suas travessuras nunca lhe dariam a liberdade.