Deus, o Diabo e a Bomba
por Giovani Letti
No ano 3000 da era do "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come", havia uma cidade chamada Pólis que se encontrava incrustada numa montanha que virou morro, que virou planície e agora é depressão. O número de habitantes não se sabia, pois há muito tempo não era feito o censo. A fundamental atividade econômica da cidade, era a exportação de "prazeres da carne", cujo principal empreendedor era o Diabo, o qual dominava 99,9% de tais empreendimentos, sendo também o representante da mais forte força moral e política da cidade. A cidade tinha renome internacional por seu complexo de prazeres da carne: prostitutas em todas as ruas da cidade para os mais diferentes níveis e gostos, águas termais aquecidas pelo fogo do inferno, a maior produção mundial de vídeos pornô de baixo nível, spas para se perder inocências salientes, sem falar nas verdes plantações de maconha e folha de coca que o visitante avistava antes de entrar na cidade.
O Diabo também era dono de uma rede de comunicação virtual que o tinha auxiliado a alcançar e se perpetuar no poder; inventara um aparelho denominado demox, o qual todos os habitantes de Pólis possuíam e que era uma espécie de mistura entre televisão, computador, telefone, forno de microondas e vibrador. Com essa máquina o Diabo inebriava os sentidos e a razão do povo com overdoses de prazer virtual, fazendo com que a população seguisse fielmente suas ordens. Não havia mais privacidade, pois o Diabo tornara-se onipresente e onisciente por meio dessa tecnologia e portanto sabia de tudo o que se passava em Pólis. Mas os habitantes não se importavam de terem perdido sua privacidade e liberdade, pois em Pólis era o vício que libertava... Além do mais, aprisionou na masmorra de seu Castelo dos Quintos do Inferno o Homem-Pensar, que era constantemente vigiado pelo seu filho chamado Lúcifer. E assim o Cramunhão (nome pelo qual o Diabo também era chamado), era soberano em seus domínios, pois dominava não pelo medo ou pela força, mas sim pelo prazer e porque inutilizou o Homem-Pensar.
Seu reinado nunca foi ameaçado, exceto por um cara chamado Deus, um antigo rival que tinha um plano "administrativo-filosófico" totalmente antagônico ao de Cramunhão. Muita gente pensava que Deus estava morto, porque "assim falou Zaratustra", um ermitão meio maluco que dizia coisas que ninguém entendia.
Essa idéia até já tinha passado pela cabeça do Diabo, quando ele e Deus dividiam o poder em Pólis. Mas se ele tivesse feito isso, teria decretado seu fim, pois teria criado um mártir. Por isso ele se valeu de sua perspicácia e apenas arruinou a imagem de Deus, fazendo assim com que ele nunca mais lhe tivesse criado problemas. Hoje Deus está velho, cansado e trabalha como padeiro. Para a antiga opinião pública não dizer que o Diabo era só maldade, prejudicando assim sua própria imagem, ele permitiu que Deus fornecesse todo o pão de que a cidade necessitasse. Dizem que são até bons os pães que Deus faz, pelo menos nunca ninguém reclamou... Mas mesmo em tal situação, Deus nunca desistiu de lutar pela salvação do povo de Pólis. Junto com cada pão vendido, ele distribuía pequenos cartões que continham mensagens de filosofia e moral, no intuito de despertar em alguém alguma reação ao regime diabólico. Tudo em vão, já que os cartões eram jogados no chão antes mesmo de serem lidos - era porque o Homem-Pensar tinha sido aniquilado...
E o tempo passou e com ele toda a força que um dia teve Deus todo poderoso. A cada dia que passava crescia apenas o desespero de Deus, pois não havia ninguém para se ter fé. Mas até que em uma noite de trevas, Deus reencontrou, como que por um de seus antigos milagres, um velho assessor que julgava morto: era o Anjo do Apocalipse, que veio lhe trazer alguma esperança através de um derradeiro plano de salvação. Apesar de Deus nunca ter gostado muito dos métodos desse ex-assessor, estando desesperado resolveu escutá-lo. O plano consistia em acabar com tudo, pois só assim é que se poderia acabar com o poder do Diabo. Segundo o anjo, conseguiriam o objetivo do plano colocando uma bomba dentro de cada pão a ser consumido na cidade, e então, detonando-as de uma só vez. Deus pediu-lhe um tempo para refletir (era uma decisão muito dura para o único ser que ainda tinha amor), e após alguns dias refletindo, teve de concordar com o do anjo.
Então, puseram-se à prática de tal plano, inserindo uma bomba em cada pão que saía do forno. Fizeram isso com milhões de pães, até terem certeza de que seria o suficiente para acabar com tudo. E após entregarem todos aqueles pães, reuniram-se rapidamente na padaria, sendo então que após o consentimento de Deus, o Anjo do Apocalipse detonou todas as bombas.
Acabou com tudo, menos com Deus e com o Diabo, para que pudessem recomeçar tudo de novo...