EPISÓDIO
por Sandra Costa
Os cães ladram e a caravana passa. Certo dia, porém, num momento de lazer, dois amigos resolvem contar melhor essa história. Diz o primeiro: Os cães ladram com fúria e a caravana passa rumo a Mazar-i-Sharif pelas estepes arbustivas desérticas do Turkmenistão, vinda de Hamun-i-Sabari, no Tashkurghan, impassível.
(Diz o segundo:) Os cães ladram com fúria, atacando pelos flancos os camelos tadjik numa manobra sinistra com o intuito de desorientá-los, e a caravana passa rumo a Mazar-i-Sharif pelas estepes arbustivas desérticas do Turkmenistão, vinda de Hamun-i-Sabari, no Tashkurghan, impassível, sob o sol forte do verão afegão.
(Acrescenta o primeiro:) Os cães ladram com fúria, reunidos em bandos de quatro, atacando pelos flancos os camelos tadjik numa manobra sinistra com o intuito de desorientá-los, e a caravana passa rumo a Mazar-i-Sharif pelas estepes arbustivas desérticas do Turkmenistão, vinda de Hamun-i-Sabari, no Tashkurghan, impassível, sob o sol forte do verão afegão levando tapetes Bukhara para o mercado de Sobi.
(Continua, então, o segundo:) Areia por todos os lados. Quem dirige a caravana é Ahmed Abdulah Habad Zahir Habib, filho do grande Amanoullah Abdulah Habad Zahir Habib, da belicosa tribo nômade dos patans, dos altiplanos de Hazarajat, homem de grande reputação entre os seus.
(Retruca o primeiro:) Dromedário! grita Ahmed Abdulah para Kabul, um de seus homens, que amarrara com descuido um fardo de tapetes no último camelo da caravana, o qual se soltara derrubando a carga. Filho de um cão!, brada, possesso, e ordena à caravana que pare para que Kabul recupere o precioso tesouro. O barulho dos cães é realmente infernal.
(Retoma o segundo:) Com todo o respeito, senhor, diz Kabul de cima do camelo retorcendo a rédea entre os dedos, os cães me comeriam as canelas... Dromedário, filho de um cão sarnento! responde Ahmed, Desça já ou morrerás antes que pisques! Sinaliza, então, Kabul, hesitante, a seu camelo Namaksar que se ajoelhe enquanto desembainha com as mãos trêmulas a cimitarra e o resto da caravana se contorce sobre os animais para observá-lo. Os cães latem ainda. São parentes de lobos.
(Conclui o primeiro:) Kabul apeia, então, de Namaksar e, num ímpeto de coragem, avança em direção ao inimigo bradando Cães do deserto! e decepa a orelha direita do que lhe chega primeiro ao alcance. Os outros cães fogem, amedrontados, Kabul recupera a carga, amarra-a firme em Namaksar e a caravana retoma seu árido caminho em direção a Mazar-i-Sharif pelas estepes arbustivas desérticas do Turkmenistão, vinda de Hamun-i-Sabari, no Tashkurghan, impassível sob o agora fraco sol do verão afegão levando tapetes Bukhara com desenhos ornamentados para o mercado de Sobi onde Mohammed Tarak Obeh Tabriz, o mercador, os espera, ansioso.