"VIÚVAS E PERIGOSAS"
Um Roteiro de
J.Olímpio
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Música: "Maxixe das Viúvas"
Seqüência 1
(exterior - dia)
Numa longa fila de pensionistas do INSS, Marli e Leonor parecem protestar.
MARLI:
- Mas o que é que esses homens do governo pensam que a gente é, hein?... Uma escola de samba falida e mal-paga, de carnê na mão?!!... (cochichando, maliciosa, p/ Leonor) ... Vamos agitar um pouco essa pasmaceira...!
LEONOR:
- ... É isso mesmo, qual é a de vocês aí, ó do guichê da fome!... Vão ou não vão liberar a micharia?!... (gargalhada mal-contida)
O povo da fila começa a se agitar e a apoiar a reclamação das duas.
O vigilante da agência se aproxima e aborda as velhotas.
VIGILANTE:
- Ô, minhas tias, peguem leve... As senhoras estão perturbando a calma da terceira idade aqui reunida...! ( p/ todos) Olha aí, meu povo, cada um cuidando de sua senha que, na hora certa, todo mundo vai receber direitinho a pensão...
LEONOR (quase cortando):
- Pensão? Você chama essa esmola de pensão??!... Tá brincando com a minha pressão alta, meu filho?!... E se sobrar alguém vivo até a hora de receber, acaba gastando tudo na farmácia...!
MARLI:
- Sabe desde que horas a gente está nessa sauna de pobre aqui, rapaz?... Desde as seis da madruga...! (em tom de discurso) Isso é o maior desrespeito à dignidade e aos direitos do trabalhador aposentado brasileiro!...
A fila toda aplaude e o descontentatmento se generaliza. O Vigilante recua e confabula com o pessoal do guichê. A gritaria aumenta. Pessoas da fila brandindo os carnês e exigindo pronto atendimento. As duas agitadoras insuflam o povo, demonstrando convicção e parecendo realmente indignadas.
corte
Seqüência 2
(exterior - dia)
A balbúrdia se acalma, as velhotas começam a "ceder" seus lugares na fila, em troca de pequenos favores.
MARLI (p/ o próximo da fila):
-... Mas olha só, que pena!... Desde as cinco da manhã?... Por que o senhor não troca de lugar comigo? Eu posso agüentar... Não, sem problema...! A gente tem mais é que se ajudar, né?!... Afinal, é só um ônibus a mais que vou tomar.
HOMEM:
- Toma aqui um vale-transporte pra senhora e que Deus lhe pague a gentileza...
MARLI:
- O quê? Pra mim?!... Ah, que gentil, o senhor não precisava se incomodar!... Bom, o caso é que a gente precisa mesmo, né?...
A câmera focaliza duas vagas adiante...
LEONOR (p/ uma senhora obesa, atrás dela):
-... Ah, mas é um sofoco ficar nesse sol a manhã inteira, a senhora deve estar morta de calor e de fome!... Por que não pega um chocolatinho?... Aliás, a minha sobrinha faz uns leques tão lindos... Deixa ver... Acho que eu tenho um aqui na bolsa... Ah, olha aqui ele, ó... Não é uma graça?... Pega, se refresca um pouco, menina... Faz o seguinte: pega o meu lugar, que hoje eu tô de folga; os meus netos foram pra casa da outra avó, no interior ...
SENHORA OBESA:
- Ai, a senhora não sabe o quanto eu lhe agradeço!... Esse leque é tão lindo! A sua sobrinha lhe deu de presente?
LEONOR:
- Não...! Eu comprei pra ajudar a pobre a sustentar os cinco filhos, que ela teve com aquele cachaceiro!... Tadinha, na hora "H" não soube dizer não... Acabou ficando com a filharada pra criar e o bafo da pinga pra agüentar!...
SENHORA OBESA:
- Ah, mas então a senhora me diga quanto é o leque, que eu quero ficar com ele.
LEONOR:
- Olha, que amor!... A senhora não existe... São só dois e cinquenta. Ela vai ficar tão feliz, obrigada!...
fusão (c/ trilha sonora de 2 acordes de harpa)
Seqüência 3
(exterior - dia)
Marli e Leonor seguem juntas pela calçada, já na rua onde moram, contabilizando o dia passado na fila.
LEONOR:
- Ai, Marli, amiga velha...
MARLI:
- ...Vizinha e quase irmã...!
LEONOR:
-... E comparsa, já esqueceu?!... Desde os tempos de solteira...
MARLI:
-... Êta nóis!... Mais assanhadas impossível!
(risos galhofeiros)
LEONOR:
- Pois é, sua velhota safada, quando é que nós vamos parar de dar esses golpezinhos mixurucas e encarar uma coisa que valha a pena??
MARLI:
- Em primeiro lugar, velhota é você, Leonor... (tom de deboche) Eu sou mesmo é uma dama disfarçada de plebéia, uma flor do subúrbio que o mundo não soube admirar...!
LEONOR:
-... Em resumo: uma mocréia abusada, sem nenhum tostão na bolsa e cheia de reumatismo!...
(gargalhada desabrida)
LEONOR:
- Tá bom, "Lady Marli de las Cucarrrrachas" (ênfase / deboche)... E sobre aquele papo da gente se arrumar na vida, hein?...
corte
Seqüência 4
(interior - fim de tarde)
Sentadas na cozinha da casa de Marli, as viúvas retomam a conversa.
MARLI:
- Olha, eu só sei que tem gente faturando zilhões por aí... E nem sempre o negócio é sério, hein?!...
Marli levanta e vai até o armário. Liga uma TV 14" que, após uns trancos, começa a funcionar.
LEONOR:
- Iiihh... Na hora do aperto, neguinho até canta samba em japonês...!
Na TV, aparece um comercial de Tele-sexo, com uma garota - só de calcinha de renda preta - fazendo caras, bocas e trejeitos pré-orgásmicos numa cama.
MARLI:
- Taí, eu não disse?... Faturam com tudo...! Até com safade... (estaca) Caramba...!
LEONOR (espantada):
- ...O quê!... Você não está pensando em...
MARLI (cortando):
- Nãããoo, sua boba...! E eu lá tenho hormônio e silicone suficientes pra isso?... Eu estou falando em montar um Disk-alguma-coisa, sei lá...!!!
LEONOR:
- ... Hummm, pizza... (careta) sanduíche, sushi... Ah, dá muito trabalho e a concorrência já é enorme...! O quê será que ainda falta o pessoal entregar a domicílio?... Nada!...
MARLI (estalando os dedos):
- Aí que você se engana! Tem um serviço muito importante, que ninguém ainda se lembrou de prestar e perfeito para duas gentis senhoras como nós: (cara safada) chorar em velório...!
LEONOR:
- ...(??!!!)
MARLI:
- É isso mesmo...! Já estou até vendo o anúncio:...
Aparece o anúncio (c / solo de trombone fúnebre-jocoso [tema Maxixe]), enquanto a voz de Marli lê o texto em off.
MARLI:
- "Sua vida está por um fio? Seus dias nesta terra estão por findar?... E você não sabe se alguém derramará lágrimas sinceras, no ensejo de sua derradeira viagem?... Agora você já pode exalar seu último suspiro em paz, sabendo que, ao passar desta para a melhor, será acompanhado por nosso respeitoso pranto fúnebre. Não deixe para a hora da passagem desta para a melhor, chame-nos imediatamente: DISK-VELÓRIO, carpideiras competentes a seu eterno dispor...!"
LEONOR (ajuntando em close) :
-... " DISK-VELÓRIO: sua garantia de um velório bem infeliz..."
Em silêncio, as duas se olham por um segundo. Depois, gritam e gesticulam juntas:
LEONOR e MARLI (espalmando-se, como as jogadoras de vôlei):
- ... Yes!!!...
fusão: ( Mús.: + dois toques de harpa)
Seqüência 5
(exterior / interior - dia)
Clipe mudo (só com música) em alta velocidade, mostrando os preparativos para a recém-criada "empresa"; desde a elaboração da logomarca (desenhada à mão), até a escolha e a prova das roupas de trabalho (vestidos e chales pretos), mais os "ensaios de choro". fade
Seqüência 6
(interior - noite)
Leonor cochila numa poltrona, cabeça pendida para trás e boca aberta (cara de morta). Marli, que estava ao telefone, entra correndo e gritando, agitando um pedaço de papel. Leonor só desperta após o segundo grito (histérico).
MARLI:
- Leonor, Leonor!!...
LEONOR:
-... Hãããnnn...?! (engasga e pigarreia) ... O quê?!...
MARLI:
- ... Nosso cliente especial cadastrado com o número 00013 acaba de gloriosamente FA-LE-CER!... E nossa infaltável presença está sendo requisitada em sua câmara ardente, conforme previsto em contrato!... Agita aí essa carcaça e vamos nessa, garota-prodígio!...
corte c/ efeito especial (turbilhão*)
Seqüência 7
Mús.: *Tema de "Batman" (abertura)
(interior / exterior - noite)
Clipe mudo (só música), com os preparativos das duas a caminho da missão (tipo Rambo), a checagem do "equipamento" (garrafa térmica, biscoitinhos, balinhas, papel higiênico, cebola etc) e o embarque no táxi (caras e bocas de espiãs). Termina com o táxi saindo em alta velocidade. Fade
Seqüência 8
Mús.:
( interior - noite)
Marli e Leonor chegam à capela mortuária. O defunto está completamente só.
LEONOR:
- Pombas, isso é o que eu chamo de velório tranquilo...! Esse cara nasceu de chocadeira ou era algum eremita?...
MARLI:
- Sei lá... Por mim ele podia ser até o chupa-cabras, que dava na mesma... Mas ainda bem que o nosso cachê vai ser debitado automaticamente, na conta aí do de cujus... Já pensou se a gente dependesse dos parentes dele?!...
Mostra a face "serena" do velhinho estirado no caixão.
LEONOR:
- E agora, o que a gente faz? Começa a chorar, sem ninguém pra assistir o show?...
MARLI:
- Nada disso.! A ordem, agora, é: relaxe e aproveite!... Ô dinheirinho bem ganho...
LEONOR:
- Só...
O tempo passa (alterna closes do relógio / expressões de sono das duas + música enfadonha: Maxixe / clarineta adagio ). Por falta do que fazer, elas adormecem sentadas na capela.
Seqüência 9
Mús.: Maxixe (tuba soturna + guitarra c/ distorção)
(interior - mesma noite)
As velhotas despertam subitamente, quando uma motoqueira - toda vestida em couro, botas de cano alto e óculos escuros - entra na capela mascando chiclete.
VALENTINA:
- Licença... É aqui o velório do tio Ermenegildo?...
MARLI:
- Ahnn, ... Ele é, digo, ele era seu tio, mocinha?
VALENTINA (se "ajeitando" na pose):
- Mocinha não, que eu já estou bem crescidinha, tá, vovó? Meu nome é Valentina Troncoso. E aí, este é ou não o velório do meu tio Ermenegildo, pô?...
LEONOR:
- Ermenegildo Malaquias Troncoso, sim senhora...! Nosso satisfeito cliente especial, cadastrado sob o número 00013... (indignada) Por quê, hein?!...
VALENTINA (sorriso matreiro):
- Nada, não... Eu só vim ver se o velhote safado empacotou mesmo, pra poder reclamar a herança. Afinal, eu sou a única herdeira aí do sovina.
As carpideiras se entreolham, gulosas, e - com um olhar disfarçado - armam o bote.
MARLI (fingida / gentil):
-Ah, mas não me diga!... Sortuda você, hein?! Quer dizer que seu tio era bem-dotado...? Ooops... Quero dizer, bem de vida, né?...
VALENTINA:
- Bom, ele não era assim nenhum zilionário...! Mas eu é que não vou abrir mão dos 3 apartamentos no centro, da fazenda de soja, das 5 lojas no shopping e, principalmente, da fábrica de suco de banana.
MARLI e LEONOR juntas (espanto):
- Suco de banana???!...
VALENTINA (off):
(sobre imagens de bananas sendo esmagadas por rolos-de-macarrão e, já em pasta,acondicionadas nas embalagens)
- É... (tom pseudo-publicitário) ele inventou um processo especial de esmagamento produtivo da fruta, que conserva suas propriedades e seu sabor característico, a um custo baixíssimo... Realmente a custo de... banana! (tom) As vendas cresceram 300% no último ano e continuam crescendo...!
LEONOR:
- Que massa...!
VALENTINA:
- É, mas tem um porém: o velho encabeçou que eu só vou poder receber a herança se cantar uma música, na hora do enterro...
MARLI (falsa):
- Ai, mas que coisa mais bonita... E daí, qual é o problema em fazer a última vontade do velhinho?
VALENTINA (exaltada):
- O problema é que eu nunca ouvi nem uma nota de uma tal de "La Vie en Rose", quanto mais ia saber cantar essa coisa!...
As velhas se entreolham por um instante e, com cara de cantoras do rádio antigo, começam a cantar:
LEONOR e MARLI (juntas):
- Comme...
VALENTINA (surpresa):
- Pô, é essa aí mesmo...! Vocês conhecem a melô inteira?!...
MARLI:
- Xiiii, a gente canta isso de cor e salteado, desde o tempo em que moça direita só beijava homem na boca depois de noiva...
LEONOR:
-... E só ia à praia com maiô de saiote por cima...!
MARLI:
-... É, e só...
VALENTINA (cortando):
- Tá, tá, já chega desse "papo-de-asilo"!... Qual das duas vai me ensinar essa perereca de música antiga?... Tô pagando bem, sabiam...?
LEONOR:
- Pagando bem?... (pausa + tom) Menina, essa é a grande chance da sua vida...! Você tem mais é que agarrá-la a qualquer custo...!
MARLI:
- ... Ééééh...! E não despreze a sorte de ter achado duas pessoas como nós, dispostas a emprestar c-a-r-i-d-o-s-a-m-e-n-t-e nosso conhecimento musical para que você abiscoite sua polpuda herança... (ladina) Por quarenta por cento da bufunfa, nós fazemos você cantar "La Vie en Rose" até dormindo...!
VALENTINA:
- Qual é, vovó, tá pensando que eu tô no desespero, é...?
LEONOR:
- E não tá, não?!...
Close de Valentina desconcertada.
Corte
Seqüência 10
Mús.:
(exterior - dia)
Plano geral de um cemitério-parque. À beira de um jazigo aberto, visivelmente desconfortável, Valentina prepara-se para começar a cantar. Junto do advogado presente, Marli e Leonor parecem torcer pelo sucesso da moça.
ADVOGADO:
- Muito bem, pode começar.
VALENTINA (c / voz trêmula):
- Comme...
À medida que ela canta e as velhotas roem as unhas, a câmera se aproxima do caixão aberto, chegando a um big close do defunto. Alternam-se planos fechados das carpideiras, "chorando profissionalmente", de Valentina cantando - acompanhada p / orquestra - e, no último verso da canção, fecha novamente no defunto que, repentinamente, desperta e canta o final junto com a sobrinha, sentado
no caixão...
TIO ERMENEGILDO:
- .... la vie en roseeeeeeee.... Ai, minha cabeça...!!!
VALENTINA (engasgando na última sílaba):
-... ros... (toss...!) ... Caramba...!
LEONOR:
- Pelas barbas do meu falecido Onofre, o velhote não desencarnou...!
MARLI:
- Meus pecados, o velho voltou das trevas...!
VALENTINA:
- Titio, o senhor tá..., tá..., tá v-i-v-o?!...
TIO ERMENEGILDO:
- Que palhaçada é essa?... Claro que tô... Ui, mas que dor de cabeça!...Valentina, você tem certeza que me deu a dose certa daquele calmante?... E por que, diabos, eu tô dentro de um caixão e você tá cantando "La Vie en Ro...???!!!
Todos olham para Valentina, indignados com a revelação da farsa quase fatal. Enquanto ela tenta convencer o tio e o advogado de sua inocência, Marli cochicha com Leonor. Começam a se afastar dali.
MARLI:
- Amiga...
LEONOR:
- ... Companheira...
MARLI:
- ... Deixa disso!... Vamos tratar de salvar o nosso, que a peruazinha ali (aponta Valentina) tá quase indo pra panela...
LEONOR:
- E eu é que não vou querer fazer companhia pra ela...!
Quando as duas já estão a uns trinta metros do jazigo, escutam a quase-assassina gritar:
VALENTINA:
- ... E aquelas duas lá, ó, é que armaram tudo...!
LEONOR (à meia-voz):
- Mas que piranha...!
MARLI (à meia-voz):
- Ah, eu é que não vou ficar pra ver o circo pegar fogo!...
LEONOR:
- Muito menos eu...! Simbora, minha nêga, de volta pra fila do INSS!...
MARLI:
- Ai, ai...! Adeus, sonhos de glória e de fortuna!...
As duas apuram o passo, enquanto Valentina e o advogado saem atrás delas. O ex-defunto esbraveja e gesticula, ainda sentado no caixão. A câmera sobe logo após a passagem delas, abre o plano e estabiliza no alto (grua).
Mús.: tema final (Maxixe)
Créditos finais sobre a imagem
FIM