AINDA AS ELEIÇÕES

Jorge Furtado

MÍDIA E DEMOCRACIA

A eleição mal terminou e Dona Mídia se apressou em transformar a vitória de Olívio numa vitória do marketing do Olívio. Não foi. João Santana, coordenador da publicidade de Britto, que até dois dias antes do primeiro turno era citado por José Barrionuevo como nome certo para integrar o futuro governo, passou a ser o vilão da derrota. Entre outros pecados, botou o ex-governador a "bater palminhas" no programa de tevê. A Casa de Cinema de Porto Alegre, duramente criticada durante todo o primeiro turno, foi alçada à condição de "escola" de marketing político. Pura digressão. Antes do marketing, a vitória de Olívio se explica pelo trabalho do PT em Porto Alegre, pelo apoio do PDT, pelo descontentamento dos produtores rurais com o governo Britto e pela desconfiança geral da existência de um concubinato entre governo estadual e grandes grupos econômicos. Os três últimos fatos foram as novidades em relação a 94. O marketing conta menos do que parece, principalmente porque parece que conta muito.

O pior malefício da democracia televisiva foi criar a associação entre desempenho no governo e desempenho frente às câmeras. Fanhos, gagos, vesgos ou suadores crônicos têm poucas chances de conquistar cargos eletivos. O que não significa que não seriam bons governantes, como nada garante que o Pedro Bial seria um bom governador. Britto é um produto típico desta era. Criado num estúdio de televisão, lê o telepronter como poucos, mas canastreia na hora de se emocionar com o texto, especialmente quando tenta ser coloquial ("eu sinto uma baita emoção..."). Sua biografia na televisão informava que foi "líder DO movimento estudantil no Rio Grande do Sul" (líder NO movimento estudantil já era duro de engolir). Lançado à notoriedade nacional pelas bactérias intestinais de Tancredo Neves, Britto sempre jogou para a platéia. Como ministro da previdência, preocupou-se mais com as manchetes ("Britto vai pagar a aposentadoria dos velhinhos") do que com a conseqüência de seus atos, como o rombo do orçamento da saúde. No governo do estado, apostou todas as suas fichas na publicidade e no tal "sonho da montadora". O fato do governo gaúcho ser o campeão nacional de gastos em publicidade - mais que o estado de São Paulo! - é uma vergonha sem precedentes em nossa política.

Olívio não se sente bem na frente de uma câmera. Acostumado aos intermináveis e burocráticos debates do meio sindical e das assembléias petistas, tem pouco poder de síntese e dá muita importância à lógica dos argumentos, esquecendo que o meio televisivo é o jardim das futilidades. Num debate na televisão, desempenho e aparências contam mais que conteúdo ou coerência política. Um exemplo é a utilização de números. O espectador não faz distinção alguma entre uma dívida de 50 milhões e uma dívida de 50 bilhões. O que conta é citar números de cabeça, como se isso fosse uma qualidade fundamental para o bom governante. Olívio não consegue desconsiderar a pergunta feita e falar sobre o que quer, um procedimento comum em debates e praticamente obrigatório em se tratando de entrevistas a repórteres. E quase sempre esquecia de cobrar de Britto respostas objetivas. O caso da venda do Banrisul foi exemplar. Olívio tinha um documento, assinado pelo Britto, onde há uma rubrica de 150 milhões referentes à venda do Banrisul. Um dia antes do debate final na RBS, num ataque apoplético de 5 minutos no Câmera Dois ("Olívio mente! O Koutzi mente! O PT mente!"), Buzzato admitiu ao deputado Marcos Rolim que o valor se referia à "abertura do capital do Banrisul e da Corsan". (Durante o programa, logo depois do surto, Buzzato foi chamado ao telefone. Era o Britto. Buzzato saiu da mesa e voltou alguns minutos depois, mais manso que o Berfran.) Olívio abriu o debate na RBS cobrando a posição de Britto sobre a venda do Banrisul e mostrando o documento. Britto disse que o valor se referia a venda da CRM ou do que restou da CEEE. Mas negou a venda do Banrisul e mudou de assunto. Olívio foi pouco claro, pouco enfático, pouco "televisivo" ao evidenciar a incoerência entre os argumentos de Britto e o documento oficial, assinado. E não lembrou que Buzzato, um dia antes, admitira a abertura de capital do banco (o mesmo procedimento que antecedeu a venda da CRT). E ficou por isso mesmo.

BRITTO É FEIO

No início da campanha, alertado sobre o poderio da máquina publicitária que iríamos enfrentar, Olívio lembrou: "De overdose publicitária também se morre". Tinha razão. Em alguns momentos a campanha de Britto passou do ponto: "É tempo de emprego em todo Rio Grande". E, felizmente, o Britto é feio. Onde já se viu um governador sem queixo?

PROMESSAS

Os argumentos mais eficientes na televisão foram os das promessas não cumpridas. A imagem de Britto negando veementemente a venda da CEEE e da CRT na campanha de 94 e as sucessivas promessas de Olívio, Tarso e Raul sobre os empregos que seriam criados pelo distrito industrial da Restinga eram de difícil contestação. Britto argumentava cinicamente que a constituição mudou, esquecendo de dizer que lutou muito para que ela mudasse e que a mudança não obrigava ninguém a vender nada. O PT tentou mostrar, sem muito sucesso, que o distrito industrial da Restinga estava dando certo. A lógica mandava admitir que o desemprego e a recessão que frustraram as metas do distrito não são responsabilidade da prefeitura e sim do governo federal ou da economia global. Mas isso seria admitir que o desemprego no estado (do qual Britto não conseguiu se descolar por apoiar FHC) tinham a mesma causa. E o argumento também passa a idéia de transferência de responsabilidade. É mais prudente explorar a opinião dos "populares", que informam, em bem cuidadas edições, que a situação na Restinga "melhorou muito".

O PT prometeu muito na campanha. Promessas objetivas: criação de 100 mil empregos em quatro anos com a Bolsa Primeiro Emprego, distribuição de 100 mil cestas básicas por mês com o projeto Cestão Popular, investimentos de 1 bilhão em atividades que gerem empregos. Está tudo gravado e todo mundo tem cópia. Estas fitas voltam em 2002.

PIADAS QUE VIRAM NOTÍCIA

Isto É informa que "se dependesse dos marqueteiros de Olívio ele teria raspado o bigode".

NOTÍCIAS QUE VIRAM PIADAS

ZH, sobre a apreensão do jornal no dia da eleição: "Zero Hora não era apreendida desde a ditadura militar ". Que graça! Leia-se: Zero Hora nunca foi apreendida. Ao contrário. A "Última Hora", fechada pela ditadura militar, foi comprada bem baratinho e transformada na Zero Hora, que nunca deu motivos para apreensões.

PESQUISAS

A divulgação e a manipulação das pesquisas jogam uma pá de cal sobre o cadáver da democracia representativa. A TVE divulgou na véspera da eleição o resultado do Datafolha com o Britto na frente. Foi tirada do ar pela Justiça Eleitoral. A informação era falsa. A Rádio Bandeirantes divulgou a pesquisa Vox Populi com margem de erro de dois pontos, quando a registrada era cinco. O Ibope descobriu mudanças absurdas de intenção de voto em Porto Alegre e, dez dias antes da eleição, inventou uma vantagem enorme para Olívio, 11 pontos, quando todos os outros institutos apontavam 5 ou 6. Pelo Ibope, Olívio caiu 10 pontos em 10 dias. O Correio do Povo, a pesquisa que se provou mais confiável, divulga dados com duas casas depois da vírgula e margem de erro de 3 pontos. (É como se o seu arquiteto dissesse que a sua sala tem 8 metros e 23 centimetros e que a medida tem uma margem de erro de 3 metros). Em São Paulo a TV Globo passou o sábado inteiro, véspera da eleição, mostrando em seus telejornais (quatro edições, Hoje, SP TV, Jornal Nacional e Jornal da Globo) a pesquisa Ibope que informava que Rossi ou Covas iriam disputar o segundo turno contra Maluf. Marta Suplicy nem aparecia na reportagem. Já falei com três paulistas que iam votar na Marta e votaram no Covas para impedir um segundo turno entre Maluf e Rossi. Marta, para quem não lembra, deixou de ir para o segundo turno por menos de 1 por cento dos votos.

Muita gente já falou disso e algumas propostas foram feitas. Tarso Genro sugere a criação de um instituto público de pesquisas, ligado à universidade. Pode ser boa idéia, mas um instituto a mais não resolve o problema. José Dirceu quer a proibição pura e simples. Difícil de sustentar. Marta sugere uma CPI dos institutos. Bom, mas também não resolve. Acho que o problema passa pelos prazos e métodos de divulgação. Que tal estabelecer datas fixas? Se a eleição é 3 de outubro, as pesquisas poderiam ser divulgadas 3 de julho, 3 de agosto e 3 de setembro. Todos os institutos divulgariam suas pesquisas no mesmo dia e o eleitor poderia verificar eventuais aberrações. O certo é que, como está, não dá para ficar. A não ser que haja eleições diretas para presidente do Ibope.

GASTOS E BAIXARIAS

Além das amplamente divulgadas, como o caso da atropelada de Esteio, as baixarias nesta campanha superaram as outras três em que participei. A pressão de secretários de estado sobre os funcionários foi uma novidade decorrente da reeleição. Iara Wortman foi de longe a mais citada nas denúncias que recebíamos diariamente.

Em nota no Correio do Povo do dia 29 de outubro, a CUT-RS acusou a RBS TV de se negar a veicular um A Pedido, pago e aprovado pelo TRE. O texto se referia às pressões sobre trabalhadores e alertava que o voto era secreto. O comercial encerrava com a frase: "Não vote por pressão, vote de acordo com a tua convicção."

Cresceu muito o número de carros com bandeiras do Britto em Porto Alegre na sexta e no sábado, vésperas da eleição. Quem procurou um carro para alugar numa das muitas locadoras de Porto Alegre, teve que esperar até segunda. Imagine o preço de uma carreta de aluguel.

Um carro de som percorreu bairros de Porto Alegre nos dias que antecederam a eleição anunciando: "Vote Olívio. Vote 15".

O programa do PT na quinta feira que antecedeu a eleição, com imagens do comício de Porto Alegre, não foi visto em várias cidades. Na serra, a RBS TV saiu do ar e só voltou na hora do programa do Britto. Em Alvorada e Cachoeirinha faltou luz, mas voltou na hora do programa do Britto.

A nota de Fernando Henrique na capa da Zero Hora apreendida, com grifo na frase "mas ajudarei com mais facilidade se o governador for o Britto" é histórica. Deveria se chamar "Aos Cagalhões!" Num país sério, era caso para impeachment.

De todas as baixarias, a mais chocante é este panfleto distribuído em Porto Alegre:

Grifo no "Ajude seu irmão". Britto apostou no fratricídio.

Espero que a vitória de Olívio faça tão bem ao estado quanto a derrota de Britto. Sobre esta, não tenho dúvidas.