1. EXTERIOR DE UMA GRANDE CIDADE/EXT/DIA
Vemos prédios e ruas movimentadas. Milhares de
pessoas indo e vindo num formigueiro humano. Aviões cortam os céus.
Trens e metrôs carregam e descarregam gentes. Ouvimos somente os
gemidos, suspiros femininos num crescendo. Molas rangem, contrastando com
as respirações. Pelos sons, um homem e uma mulher que agonizam,
num ritual sagrado em que dois corpos se transformam numa única
alma.
2. JANELA DO PRESÍDIO/EXT/DIA
No meio do caos a câmara vai recortando suavemente
as grades que desenham uma das janelas do Carandiru. Ouvimos as respirações,
num crescendo.
3. CORREDOR DO PRESÍDIO/INT/DIA
Centenas de homens. Suados, sem camisa, agarrados, outros
amarrados às grades acompanham os sons que aumentam. Olhos arregalados,
embrutecidos, expressões que beiram a loucura.
4. CELA/INT/DIA
Gemidos aumentam de intensidade. Dezenas de homens em
estado de serenidade, sentados, outros de pé, outros empoleirados
nas grades, quase em transe, em completo silêncio. Uma divisória
improvisada com um cobertor velho e furado os separa do casal de amantes.
5. DIVISÓRIA DOS AMANTES/INT/DIA
Tudo completamente branco denotando uma infinita pureza.
Vemos apenas os rostos. Contraídos, gemendo, numa entrega absoluta.
Donos de uma beleza plástica impressionante. Não vemos os
corpos. Somente os rostos. Respirações aceleram. Do lado
de fora da divisória permanece a vigília. Quase em estado
de oração. Respiração, gemidos, suspiros num
crescendo.
6. CORREDOR DO PRESÍDIO/INT/DIA
Homens se agitam. Comecam a torcer. Como em dia de jogo. Final de campeonato. Gritam em coro:
7. EXTERIOR DO PRESÍDIO/EXT/DIA
Portões se abrem e centenas de crianças
saem correndo, soltando balões coloridos e jogando pétalas
de flores para todos os lados.
8. EXTERIOR DO PRESÍDIO/EXT/DIA
Uma garotinha loira, sem os dois dentes da frente, se aproxima de um velhinho que passeia, a passos lentos. Entrega-lhe uma pétala. Ele a toma nas mãos como uma hóstia. Aspira seu perfume, encantado. Olha para a câmara, emocionado:
João Antônio Porto