Pele-pétala
por João Antônio Porto
 

1. EXTERIOR DE UMA GRANDE CIDADE/EXT/DIA

Vemos prédios e ruas movimentadas. Milhares de pessoas indo e vindo num formigueiro humano. Aviões cortam os céus. Trens e metrôs carregam e descarregam gentes. Ouvimos somente os gemidos, suspiros femininos num crescendo. Molas rangem, contrastando com as respirações. Pelos sons, um homem e uma mulher que agonizam, num ritual sagrado em que dois corpos se transformam numa única alma.
 

2. JANELA DO PRESÍDIO/EXT/DIA

No meio do caos a câmara vai recortando suavemente as grades que desenham uma das janelas do Carandiru. Ouvimos as respirações, num crescendo.
 

3. CORREDOR DO PRESÍDIO/INT/DIA

Centenas de homens. Suados, sem camisa, agarrados, outros amarrados às grades acompanham os sons que aumentam. Olhos arregalados, embrutecidos, expressões que beiram a loucura.
 

4. CELA/INT/DIA

Gemidos aumentam de intensidade. Dezenas de homens em estado de serenidade, sentados, outros de pé, outros empoleirados nas grades, quase em transe, em completo silêncio. Uma divisória improvisada com um cobertor velho e furado os separa do casal de amantes.
 

5. DIVISÓRIA DOS AMANTES/INT/DIA

Tudo completamente branco denotando uma infinita pureza. Vemos apenas os rostos. Contraídos, gemendo, numa entrega absoluta. Donos de uma beleza plástica impressionante. Não vemos os corpos. Somente os rostos. Respirações aceleram. Do lado de fora da divisória permanece a vigília. Quase em estado de oração. Respiração, gemidos, suspiros num crescendo.
 

6. CORREDOR DO PRESÍDIO/INT/DIA

Homens se agitam. Comecam a torcer. Como em dia de jogo. Final de campeonato. Gritam em coro:

Gemidos chegam ao clímax. Explosão generalizada. Gritos, abraços e comemorações. Hora do gol.
 

7. EXTERIOR DO PRESÍDIO/EXT/DIA

Portões se abrem e centenas de crianças saem correndo, soltando balões coloridos e jogando pétalas de flores para todos os lados.
 

8. EXTERIOR DO PRESÍDIO/EXT/DIA

Uma garotinha loira, sem os dois dentes da frente, se aproxima de um velhinho que passeia, a passos lentos. Entrega-lhe uma pétala. Ele a toma nas mãos como uma hóstia. Aspira seu perfume, encantado. Olha para a câmara, emocionado:

FIM

João Antônio Porto